Rosângela Bittar: A tragédia e a ópera bufa

O eleitorado poderá optar pelo bom senso. Que ainda não tem nome nem rosto.
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF (11/03/2020)
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF (11/03/2020)

 O eleitorado poderá optar pelo bom senso. Que ainda não tem nome nem rosto

Duas insistentes questões estão postas. 

Primeira: há cinco anos, a tese processual sobre o foro da Lava Jato foi levantada. Por que ressurgiu, logo agora? A decisão do ministro Edson Fachin, invocando-a, ocorreu quando o seu colega Gilmar Mendes já se preparava para relatar, na Segunda Turma do STF, o que fez ontem, a ação que contesta a imparcialidade do juiz Sérgio Moro no julgamento dos processos do ex-presidente Lula. 

Fachin atropelou Gilmar. Aproveitando uma sonolenta tarde de segunda-feira, 8 de março, o surpreendeu com sua decisão monocrática. Precipitou-se para não perder a chance de ser o autor da última palavra. 

Na concepção do seu voto, Lula ganha a vantagem de reaver seus direitos políticos, com a possibilidade de se candidatar, graças à anulação das sentenças proferidas em Curitiba. E Moro se livra do julgamento da parcialidade. Já na linha de Gilmar, ao votar pela suspeição de Moro, são beneficiados, além de Lula, parlamentares e empresários condenados pelo juiz. 

A segunda questão: ao contrário da primeira, não terá resposta imediata. O que significam estas decisões para os que propõem uma alternativa ao confronto Lula-Bolsonaro na sucessão de 2022? 

Os dois candidatos caracterizam o confronto radical. A polarização já está nas ruas e nas redes, mas ainda não está na política. A conjuntura é nova, mas não definitiva. Um quadro em processo de construção, portanto, ainda instável. 

O centro é uma hipótese com quatro ou cinco nomes. Terá mais trabalho, agora, para se colocar e arrebatar o eleitorado. Quem sabe, num cenário otimista, pode-se descobrir, ao longo da campanha, que os brasileiros estão saturados da intransigência eleitoral que explora o ódio e a rejeição. 

Na eleição disputada por Collor e Lula, em 1989, nenhum dos dois era protagonista. No início, as apostas se concentravam nos grandes e conhecidos nomes da política, como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola. Na eleição de 2018, Jair Bolsonaro contava que, depois de 30 anos como deputado do baixo clero, sua candidatura a presidente era uma forma de sair de cena bem, transferindo espaço político aos filhos. 

O subconsciente do eleitor, como se diz, é indevassável. Até que surja o nome mágico. 

Lula tem condições de atrair parte do centro se o PT raivoso deixar. Dominado pela ala Gleisi Hoffmann, o lulismo primitivo tem aversão a empresários, imprensa e partidos. Como se dará com o centro? Bolsonaro ainda pode mitigar o negacionismo com que trata a pandemia, e reconquistar apoiadores que perdeu pela crueldade na gestão da atual catástrofe sanitária. Terá de abandonar o papel macabro de “presidente de cemitério”, como definiu com precisão o jurista Miguel Reale Júnior. 

O centro terá sobrevida, também, se os extremos, ao partirem para a guerra de extermínio, assustarem o eleitorado. A disputa da rejeição depende de como Lula será considerado. Pela amostra da repercussão internacional da decisão de lhe restituir os direitos políticos, é possível ter uma ideia. Voltará como um injustiçado e perseguido? O eleitorado pode achar pouco a devolução da elegibilidade para quem ficou preso mais de um ano? 

Por outro lado, Bolsonaro está sendo rejeitado até por movimentos de direita. Tentará esgotar sua reserva de cinismo para se transformar em garoto propaganda da vacina, que renegou com sarcasmo? 

Não há fórmula pronta para os destinos do centro. Esta história a que estamos assistindo não se desenvolve como um roteiro de cinema, em que os papéis do mocinho, do vilão, do juiz e do promotor são carimbados. A realidade política mistura tudo. O eleitorado, entre a tragédia e a ópera bufa, poderá optar pelo bom senso. Que ainda não tem nome nem rosto. 

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