Roberto Freire: Guerra não declarada

Em qualquer pesquisa que se faça sobre as maiores preocupações dos brasileiros em relação à vida cotidiana, a sensação de insegurança e a impotência em relação à violência aparecem, invariavelmente, no topo da lista. Como se não bastassem as enormes dificuldades ainda enfrentadas pela população em função da maior recessão econômica da história do país – que agora, enfim, começa a ser deixada para trás –, não há uma família sequer que se sinta plenamente segura ao andar pelas ruas, seja nas metrópoles ou nos pequenos e médios municípios. A chaga da violência atingiu tal nível de desmantelo no Brasil que, lamentavelmente, quase já se vive em um cenário típico de guerra.
Foto: Vladimir Platonow/Agencia Barsil
Foto: Vladimir Platonow/Agencia Barsil

Em qualquer pesquisa que se faça sobre as maiores preocupações dos brasileiros em relação à vida cotidiana, a sensação de insegurança e a impotência em relação à violência aparecem, invariavelmente, no topo da lista. Como se não bastassem as enormes dificuldades ainda enfrentadas pela população em função da maior recessão econômica da história do país – que agora, enfim, começa a ser deixada para trás –, não há uma família sequer que se sinta plenamente segura ao andar pelas ruas, seja nas metrópoles ou nos pequenos e médios municípios. A chaga da violência atingiu tal nível de desmantelo no Brasil que, lamentavelmente, quase já se vive em um cenário típico de guerra.

Segundo os dados divulgados pelo 11º Anuário Estatístico da Violência, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país registrou em 2016 o aterrorizante número de 61.619 mortes violentas, o que corresponde a um aumento de 3,8% em relação ao ano anterior. Nesse novo e inaceitável patamar, a taxa nacional de assassinatos por 100 mil habitantes chegou a absurdos 29,9, uma das mais elevadas do mundo.

Para que se tenha a dimensão da tragédia nacional, esses números representam 7,4 vezes o que se mata nos Estados Unidos; 42,8 vezes o índice da Alemanha; e impressionantes 99,6 vezes a mais do que no Japão (onde as armas portáteis são terminantemente proibidas, inclusive as chamadas “armas brancas”, permitindo-se unicamente a posse de armas de ar comprimido e de caça).

O mais chocante, no entanto, é compararmos a situação brasileira com a Síria, um país que completou seis anos de uma bárbara e sanguinária guerra civil. Até março de 2017, 321.358 pessoas foram mortas por lá durante todo esse período, das quais cerca de 91 mil civis (uma média de 53.559 homicídios dolosos a cada ano, inferior aos números brasileiros). Se a comparação for feita apenas com os civis, o que é mais adequado, cerca de 15 mil pessoas são mortas por ano na Síria, praticamente um quarto do que se mata no Brasil.

Apesar de tamanho descalabro, é possível alimentar alguma esperança de que nosso país encontre um caminho para amenizar um dos problemas mais dramáticos que enfrenta. Quando se observa detalhadamente os dados referentes ao estado de São Paulo, por exemplo, o que se nota é uma enorme disparidade em relação ao caos vivenciado no resto do Brasil. No território paulista, o número de mortes violentas é de 11 por 100 mil habitantes (em Sergipe, chega a 64 por 100 mil). No caso dos latrocínios (roubo seguido de morte), São Paulo registra 0,8 por 100 mil (no Pará, esse índice é de 2,3 por 100 mil, o triplo).

O Atlas da Violência, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo mesmo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em junho deste ano, reforça que o enfrentamento à violência tem sido bem sucedido em São Paulo em comparação com o restante do Brasil. Além do menor índice e da maior redução na taxa de homicídios por 100 mil habitantes, o estado está representado por 19 cidades entre as 30 consideradas mais pacíficas de todo o país.

Entre 2005 e 2015, de acordo com este levantamento, houve uma significativa redução de 44,3% na taxa de homicídios no estado. Fazendo um cruzamento com os dados do Anuário da Violência já citados anteriormente, se o índice verificado em todo o Brasil fosse igual ao de São Paulo, teríamos 22.503 mortos (e mais de 38 mil brasileiros seriam poupados a cada ano). Tudo isso apenas corrobora a tese de que é necessário, uma vez mais, olhar com atenção e analisar com responsabilidade o exemplo exitoso de São Paulo, que pode servir como modelo a ser replicado nos outros estados.

Outro caso emblemático, este pelo aspecto negativo, é o do Rio de Janeiro, que vem sofrendo com a ação do crime organizado e a dificuldade das forças de segurança em neutralizá-la. É importante destacarmos o papel que as Forças Armadas cumpriram recentemente na cidade, sob acompanhamento do ministro da Defesa, Raul Jungmann, que faz um notável trabalho à frente da pasta. Mas é evidente que esse tipo de atuação é uma consequência direta do total descalabro da área de segurança pública não só no Rio, mas em diversas regiões do país. A segurança é responsabilidade constitucional dos estados, por meio da ação de suas polícias, e a transferência dessas atribuições aos militares é um atestado de incompetência, algo inaceitável, além de um desvirtuamento da ordem constitucional.

Os números de guerra servem para nos levar à constatação de que se chegou a um ponto insustentável. A sociedade não suporta mais conviver com níveis de violência que há muito ultrapassaram todos os limites e tomaram conta do país. O Brasil clama por paz e civilidade contra a barbárie. A população está assustada, e não sem motivo. Por outro lado, há exemplos virtuosos que indicam o caminho a ser seguido no combate ao crime. Temos de reagir. É possível vencer.

 

 

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