Ricardo Noblat: Natal manchado pelo sangue de mulheres assassinadas

Thalia Ferraz, 23 anos, celebrava o Natal com parentes em sua casa em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, quando recebeu por celular uma mensagem perguntando se ela gostava de surpresas. Momentos depois, um homem apareceu e a matou a tiros na frente de todo mundo. A polícia suspeita que foi o ex-companheiro dela.
Foto: Facebook
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Feminicídio avança no Brasil

Thalia Ferraz, 23 anos, celebrava o Natal com parentes em sua casa em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, quando recebeu por celular uma mensagem perguntando se ela gostava de surpresas. Momentos depois, um homem apareceu e a matou a tiros na frente de todo mundo. A polícia suspeita que foi o ex-companheiro dela.

Na mesma noite, a 3.204 quilômetros dali, no Alto do Mandu, na Zona Norte do Recife, um sargento reformado da Polícia Militar, de 53 anos, matou sua mulher, a cabeleireira Anna Paula Porfírio dos Santos, 45 anos, com dois tiros de revólver. Eram casados há 20 anos e tinham uma filha de 12 que testemunhou o crime.

Horas antes, na Barra da Tijuca, no Rio, a 2.297 quilômetros do Recife, Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, de 45 anos, havia sido assassinada a facadas pelo ex-marido, Paulo José Arronenzi, de 52 anos. Um vídeo registrou os gritos de suas três filhas crianças que imploravam ao pai para que parasse de esfaquear a mãe.

Viviane era juíza. E foi por isso que o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça do Rio e a Defensoria Pública manifestaram seu horror com o que lhe aconteceu. O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, prometeu desenvolver ações para erradicar a violência contra mulheres.

“Enquanto nos preparávamos para nos reunir com nossos familiares e agradecer pela vida, veio o silêncio ensurdecedor. A tragédia da violência contra a mulher, as agressões na presença dos filhos, a impossibilidade de reação e o ataque covarde entraram na nossa casa na véspera do Natal”, escreveu Fux.

Claudio de Mello Tavares, presidente do Tribunal de Justiça do Rio, distribuiu nota onde diz que “o gravíssimo assassinato” da juíza “mostra que o feminicídio é endêmico no país: não conhece limites de idade, cor ou classe econômica. O combate a essa forma bárbara de criminalidade contra as mulheres deve ser prioritário”.

Palavras ao vento se algo de muito drástico não for feito para de fato frear os casos de feminicídio que só aumentam no país. No período colonial e até o século 19, era lícito no Brasil ao homem casado matar a mulher em flagrante delito com base no argumento da defesa da honra. Assim, maridos assassinos eram absolvidos.

Só a partir de 2015 o Código Penal Brasileiro incluiu a Lei 13.104 que tipifica o feminicídio como homicídio, reconhecendo o assassinato de uma mulher em função do gênero. O crime prevê pena de 6 a 20 anos de reclusão. Se caracterizado o feminicídio é considerado hediondo e a punição parte de 12 anos de reclusão.

O Brasil teve um aumento de 7,3% no número de casos de feminicídio em 2019 em comparação com 2018. Foram 1.314 mulheres mortas pelo fato de serem mulheres – uma média de uma a cada 7 horas, segundo levantamento feito pelo site G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.

Dados levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que quase 90% das vítimas de feminicídio no Brasil são mulheres mortas por ex-maridos ou ex-companheiros. Facas são as armas mais usadas nesse tipo de assassinato (53,6). Em seguida, as armas de fogo (quase 20% das vezes).

No Rio de Janeiro, segundo o Monitor da Violência Doméstica e Familiar contra Mulher, o número de crimes graves cometidos contra mulheres dentro de suas casas cresceu desde o início da pandemia. Cabe perguntar: Quantas juízas precisarão ser mortas para que se trate o feminicídio com a gravidade que ele requer?

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