Ricardo Noblat: Como não pode demiti-lo, Bolsonaro cancela Mourão

À procura de um vice que diga apenas "sim, senhor"!
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

À procura de um vice que diga apenas “sim, senhor”!

Sem poder demiti-lo porque foi eleito junto com ele, sem poder fazer de conta que ele simplesmente inexiste, o presidente Jair Bolsonaro decidiu cancelar o vice-presidente Hamilton Mourão.

Faz tempo que já não conversa com ele, mas, ontem, foi muito além: excluiu-o de uma reunião ministerial no Palácio do Planalto. Compareceram 22 ministros. O único que faltou estava viajando.

 “Não fui convidado, não fui chamado. Então, acredito que o presidente julgou que era desnecessária a minha presença”, disse o  general que faz parte do Conselho de Governo.

Mourão deixou passar algumas horas e deu o troco: embora convidado, não foi à cerimônia de lançamento de um programa destinado a atrair investimentos privados para a Amazônia.

A cerimônia contou com a presença de Bolsonaro e de outros ministros. Perguntando por que não foi, Mourão respondeu: “Estava trabalhando, tinha outras coisas para fazer”.

Mourão foi escolhido por Bolsonaro para ser vice na última hora. E mesmo assim porque outros nomes convidados para a função alegaram variados motivos para não ocupá-la.

Bolsonaro queria um vice que não lhe fizesse sombra. Mourão desejava ser um vice com atribuições executivas. Bolsonaro queria um vice que não falasse. Mourão não se faz de mudo.

O presidente é capaz de dizer os maiores absurdos do mundo, mesmo os que o prejudicam. Mourão tentou ser a voz da sensatez e, em alguns casos, o tradutor de Bolsonaro.

Apesar dos desencontros, fingiram dar-se bem até recentemente. Nada pior do que um vice decorativo. Bolsonaro nomeou Mourão para presidir o Conselho Nacional da Amazônia. Não adiantou.

A gota d’água que entornou o copo foi uma troca de mensagens entre um assessor de Mourão e um assessor de um deputado sobre um eventual processo de impeachment contra Bolsonaro.

Mourão só soube das mensagens pela imprensa. No mesmo dia, demitiu o assessor. Com mania de perseguição, Bolsonaro acha que o vice conspira contra ele, e ninguém o convence do contrário.

Daí o cancelamento de Mourão. Que poderá não ser definitivo porque Bolsonaro não tem compromisso com o que diz e faz. Não desqualificava as vacinas? Agora, não as recomenda?

Bolsonaro se comporta na presidência como se fosse um general dentro do quartel. Ninguém pode pensar diferente dele. Ordem dada é para ser cumprida sem maiores discussões.

Há militares que o servem, como os generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria do Governo) e Eduardo Pazuello (Ministério da Saúde), que batem continência e dizem “sim, senhor”.

Mourão bate continência, mas nem sempre diz “sim, senhor”. É por isso que Bolsonaro procura um novo vice para a eleição do ano que vem. O Centrão topa indicar. O Centrão topa tudo.

Um general que se sente à vontade na companhia do Centrão

“Brasil acima de tudo” (grito de guerra da Infantaria Paraquedista)

Se o presidente Jair Bolsonaro está à procura de um vice que lhe diga amém, que em eventos eleitorais saiba manter-se à distância para não lhe fazer sombra, e que ainda por cima possa ajudá-lo a atrair apoios políticos, por que não o general Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Secretaria de Governo?

Ramos entende do riscado. Uma foto que mostrou Bolsonaro disparado, quase sem fôlego, em uma pista de corrida, mostrou também o general tentando imitá-lo, mas bem atrás, sem o risco de ultrapassá-lo. Ramos tem uma sincera admiração pelo presidente. Os dois foram paraquedistas e ainda são bons amigos.

De resto, ao contrário de muitos, militares ou não, que fazem cara feia para o Centrão, Ramos não faz, e orgulha-se de ter servido de ponte entre o grupo e Bolsonaro. Criticado por um general da reserva por andar com más companhias, Ramos respondeu: “Não me envergonho. Não tenho vergonha nenhuma”.

E justificou-se: “Tomei uma atitude coerente. Meu desprendimento de ter aberto mão da minha carreira no Exército mostra que estou a serviço do Brasil. O governo hoje é do Bolsonaro, mas é do Brasil”. Em 2018, Ramos foi uma voz isolada em defesa de Bolsonaro dentro do Estado Maior do Exército.

Até que todos, finalmente, acabaram lhe dando razão. Era preciso evitar a volta da esquerda ao poder. Brasil acima de tudo!

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