Ricardo Noblat: Brasil, um país à deriva e com o apocalipse sanitário à vista

Quem diria… Há dois anos, a maioria dos que se preparavam para votar em Jair Bolsonaro, o Mito, como era chamado, dizia que uma vez eleito, ele combateria a corrupção como nenhum presidente havia feito antes, defenderia os sacros valores da família brasileira e ofereceria uma vida melhor aos brasileiros.
Foto: Alex Pazuello/Semcom
Foto: Alex Pazuello/Semcom

Fala, Bolsonaro!

Quem diria… Há dois anos, a maioria dos que se preparavam para votar em Jair Bolsonaro, o Mito, como era chamado, dizia que uma vez eleito, ele combateria a corrupção como nenhum presidente havia feito antes, defenderia os sacros valores da família brasileira e ofereceria uma vida melhor aos brasileiros.

Como essa gente estará se sentindo depois de ver Sergio Moro fora do governo, a Lava Jato sendo enterrada, o senador Flãvio Bolsonaro envolvido no escândalo da rachadinha e obrigado a justificar a compra de uma mansão de 6 milhões de reais em Brasília, e o novo recorde de mortes provocadas pela Covid?

Nas redes sociais, por enquanto, é de desânimo o estado de espírito dos defensores do ex-capitão. Os fatos se sucedem a uma velocidade alarmante e eles mal têm tempo para respirar, quanto mais agarrar-se a bóia de uma narrativa que pareça convincente. Não significa que ficarão órfãos. Há quem sempre pense por eles.

O próprio Bolsonaro ensaiou uma explicação ao reunir-se com devotos nos jardins do Palácio da Alvorada. “Querem me culpar pelas 200 e tantas mil mortes”, disse ele. “O Brasil é o 20º país do mundo em mortes por milhão de habitantes. A gente lamenta? Lamentamos. Mas tem outros países [em pior situação]”.

As famílias e os amigos dos 1.726 mortos pela Covid nas últimas 24 horas aceitarão de bom grado a desculpa oferecida pelo presidente? Morreram até ontem 257.562 pessoas, e 10.647.845 foram contaminadas. A média de mortes por dia é 23% maior do que a registrada há duas semanas.

Em média, são 55.318 novos casos por dia, 22% a mais do que 14 dias atrás. Portanto, a tendência é de alta nos casos e também nos óbitos. São 15 Estados e mais o Distrito Federal com alta na média de mortes. Com queda, três. Apenas 3,36% da população receberam a primeira dose de vacina, e 1,02% a segunda dose.

Acendeu a luz vermelha em todo o país com o agravamento da pandemia – menos, naturalmente, no Palácio do Planalto e no Ministério da Saúde do general Eduardo Pazuello. No palácio, a preocupação com o filho mais velho de Bolsonaro ocupou quase todas as rodas de conversa e os despachos de rotina.

Entre si, assessores presidenciais chegaram a sugerir que Bolsonaro repreendesse publicamente Flávio como fez no caso da rachadinha em janeiro de 2019. Naquela ocasião, o presidente afirmou em resposta à pergunta de um jornalista:

– Se, por acaso, ele errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar.

Resposta civilizada, não foi? Um ano depois, Bolsonaro começou a mandar jornalista calar a boca. Com mais alguns meses, ameaçou encher de porrada a boca de um jornalista. Há dias, indagado por um jornalista do Acre sobre uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que beneficiou Flávio, Bolsonaro encerrou a entrevista.

Flávio é um aplicado agente imobiliário. Desde que se elegeu pela primeira vez deputado estadual pelo Rio de Janeiro, já comprou e vendeu 20 imóveis, saindo sempre no lucro. Parte da compra dos imóveis foi feita com dinheiro vivo, hábito compartilhado com seus irmãos, pai, mãe e ex-madrastas. É mais fácil assim, sabe?

Era para Bolsonaro ter falado ontem ao país em rede nacional de rádio e televisão. Estava tudo pronto para a gravação quando ele achou melhor transferi-la para hoje. Temia ser recepcionado por um panelaço no dia em que só se falava da história da mansão milionária do filho dono de renda modesta.

Ainda muito se falará. Dado o momento que o país atravessa, dia de panelaço é todo dia.

Com Ciro e Haddad como coveiros, frente de esquerda é enterrada

Poderá ou não ressuscitar no segundo turno

Cada um culpará o outro e explicará o fato de acordo com suas conveniências. Mas se parte da esquerda ainda alimentava o sonho de uma frente ampla para enfrentar Jair Bolsonaro no primeiro turno da eleição do ano que vem, o sonho acabou.

Na semana passada, Ciro Gomes (PDT), derrotado três vezes para presidente da República, jogou uma pá de cal na proposta de unir a esquerda:

 “Quem for contra o Bolsonaro no segundo turno tem a tendência de ganhar a eleição. O menos capaz disso é o PT. Por isso, a minha tarefa é necessariamente derrotar o PT no primeiro turno”.

Fernando Haddad (PT), autorizado por Lula a viajar em campanha pelo país, jogou, ontem, a segunda pá de cal:

“A direita tem o Ciro, Moro, Mandetta, Huck, Dória, qual é o problema? Isso tudo tem um ano e meio para se discutir. Não faz sentido inibir uma pessoa de se apresentar e conversar com a sociedade”.

Ciro antecipou que não conversará com o PT porque sua tarefa é impedir que ele dispute o segundo turno com Bolsonaro. Haddad respondeu excluindo Ciro, por ser de direita, de qualquer conversa sobre a construção de uma frente ampla de esquerda.

A esperança de Haddad é que ele seja o candidato do PT e do resto da esquerda no primeiro turno. A de Ciro, que ele vire o candidato da direita não bolsonarista e de uma parte da esquerda que prefira distanciar-se do PT.

Não haverá frente de esquerda, muito menos ampla. Haverá mais de um candidato. Quanto ao segundo turno, é cedo para especular a respeito. Por ora, a esquerda de todos os matizes diz que apoiará o nome que possa derrotar Bolsonaro, não importa qual.

A ver, a ver.

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