Ricardo Noblat: A falta que fará Boechat

O jornalismo contundente, capaz de expor os fatos com rigor e transparência, e de refletir sobre eles sem ódio e sem medo, é invenção antiga, mas que não data necessariamente do seu começo.
Foto: Reprodução/O Globo
Foto: Reprodução/O Globo

Jornalismo honesto e contundente
O jornalismo contundente, capaz de expor os fatos com rigor e transparência, e de refletir sobre eles sem ódio e sem medo, é invenção antiga, mas que não data necessariamente do seu começo.

Aqui, digamos, é algo recente, do final dos anos 50 do século passado para cá. Antes disso, o jornalismo era antes de tudo partidário, tomava partido de grupos e lhes prestava fiel vassalagem.

Entre o golpe militar de 64, e o momento quatro anos depois em que a ditadura tirou a máscara, houve ensaios isolados, pontuais, do jornalismo que Ricardo Boechat fez tão bem até ontem.

Com uma grande diferença: esse tipo de jornalismo só tinha lugar no papel, em jornais e pequenas revistas. Creio que não exagero se disser que foi Boechat que deu voz e imagem ao jornalismo crítico.

No rádio e na televisão, foi ele que rompeu os limites do jornalismo bem comportado que até há pouco ainda tentava se apresentar como equidistante e imparcial como se isso fosse possível.

Uma coisa são os fatos, que devem ser expostos como se passaram, dando-se espaço aos seus protagonistas para que ofereçam suas versões por mais contraditórias que elas sejam.

Outra bem diferente é a interpretação, a análise que se faz dos fatos. A interpretação decorre de um ponto de vista do seu autor a propósito dos fatos levados ao exame do distinto público.

Aí não há como ser imparcial, uma quimera tão cultivada em nosso meio e fora dele, e tão distante da realidade. Cobre-se do jornalista, isto sim, que seja honesto ao ir além da simples oferta de fatos.

Boechat foi um jornalista honesto. Era capaz de chafurdar na lama, rolar pelas sarjetas e desfilar pelos salões mais nobres à cata de notícias – de preferência em primeira mão.

Mas ao servi-las, não se negava a dizer o que pensava a seu respeito. Mais no rádio do que na televisão, mas também nessa, com frequência ia adiante, permitindo que sua indignação explodisse.

Como não se indignar diante do muito que testemunhamos ou ficamos sabendo? Balela essa história que só nos cabe dar notícias! Balela, não, um truque velho usado para nos tornar complacentes.

Bóris Casoy chocou os jornalistas de terno e gravata quando começou a usar a expressão “vergonha” para sublinhar o seu espanto diante de certos fatos. Foi um pioneiro.

Boechat elevou o jornalismo contundente à sua máxima potência. Jamais lhe faltou coragem para tal. Sua recompensa foi a adesão de milhões de pessoas que o viam e o escutavam diariamente.

Partiu logo quando o jornalismo brasileiro mais precisava de sua ousadia e do seu talento. Fica o seu exemplo.

Sobre o jornalismo

Para que serve
A democracia depende de cidadãos bem informados. O jornalismo depende da confiança pública.

Antes de ser um negócio, o jornalismo deve ser visto como um serviço público.

O jornalismo existe para servir ao conjunto de valores mais ou menos consensuais que regem o aperfeiçoamento da sociedade. Valores como a liberdade, a igualdade social e o respeito aos direitos fundamentais do ser humano.

Mais do que informações e conhecimentos, o jornalismo deve transmitir entendimento. Porque é do entendimento que deriva o poder. E em uma democracia, o poder é dos cidadãos.

O dever número um dos jornalistas é com a verdade – mesmo que a verdade não seja algo claramente identificável, como de fato não é. Mas haverá que se persegui-la mesmo assim.

O dever número dois dos jornalistas é com o jornalismo independente. Porque se independente não for, para nada servirá.

O dever número três é com os cidadãos. Não se deve jamais ter vergonha de tomar partido deles.

O quarto dever dos jornalistas é com sua própria consciência.

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