Revista Política Democrática || Roberto Freire: Cidadania, o trilhar por novos caminhos

O Cidadania quer ser protagonista de uma nova jornada, com um horizonte para se transformar em importante referência de centro-esquerda e contribuir de forma positiva para a democracia brasileira e o desenvolvimento do país, destaca Roberto Freire.
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

O Cidadania quer ser protagonista de uma nova jornada, com um horizonte para se transformar em importante referência de centro-esquerda e contribuir de forma positiva para a democracia brasileira e o desenvolvimento do país, destaca Roberto Freire

Há anos – talvez um marco importante tenha sido o desmoronamento do antigo sistema soviético e de suas repúblicas –, o mundo vem experimentando fortes transformações em seu modo de produzir e nas suas relações sociais, fruto de uma revolução cientifica e das inovações tecnológicas – era dos robôs e da inteligência artificial –, que impactam muito fortemente também no campos da política e das ideias.

Os padrões aceitos como universais e pouco mutáveis, todos eles herdados do iluminismo, da revolução industrial e da criação dos estados nacionais ainda no século XIX, começaram a se dissolver e passaram a não mais corresponder às realidades dos povos e aos formatos políticos de intervenção social. Ficaram velhos e foram perdendo apelo junto à opinião pública.

Se, antes, a divisão entre liberalismo e socialismo, entre capitalistas e trabalhadores, entre imperialismo e países periféricos tinha algum sentido e conformava a história do século XX com revoluções, golpes, experiências de governo e de Estado de todos os tipos, nos dias de hoje soa quase como tragédia.

Os dois arranjos representados pela social democracia clássica do pós-guerra e pelo neoliberalismo de Reagan e Thatcher não se firmaram como alternativas de longo prazo, mesmo que tenham trazido mudanças significativas às sociedades onde se instalaram.

Na Europa, por exemplo, com muita tradição política, a socialdemocracia gerou largos benefícios de justiça social, deu solidez por décadas às instituições públicas, ampliou o rol dos direitos sociais, alargou a democracia, mas não suportou ou não vem suportando as crises que assolam o continente e o mundo.

O neoliberalismo, uma tentativa de contornar o keynesiasnismo que salvara o capitalismo, conseguiu alguns resultados econômicos positivos na Inglaterra e Estados Unidos, porém faliu em sua pauta conservadora e não conseguiu fazer frente aos movimentos de conteúdo mais extremado de direita. Trump, dentro do Partido Republicano nos Estados Unidos e Johnson, no Partido Conservador inglês, são exemplos dessa falência.

Outros ideólogos surgiram para dar sentido político ao mundo em desalinho e esbarraram contra uma muralha invisível que ia se formando, pelo advento das novas tecnologias, o intercâmbio das informações e as novas relações sociais e de consciência, estas nascidas nos desvãos ideológicos e à sombra do poder velho.

Fukuyama, nos Estados Unidos, acalentado por toda mídia, e após a queda do regime soviético, falava na vitória final da democracia, como se ela, ao estilo ocidental e americano, fosse se plasmar a todas as nações do mundo. A tese morreu em poucos anos – o nacionalismo explodiu no leste europeu e no Oriente Médio, salvo pequenos intervalos com a chamada Primavera árabe, a visão teocrática e baseada em um poder de alta concentração continuou a se impor, até com mais truculência.

Pelo lado do Ocidente, o paradigma do Movimento Verde deu demonstração de vitalidade inicial entre os jovens, porém não se consolidou como alternativa de poder até porque não conseguiu produzir programas exequíveis de governo.

O pólo marxista renitente se esvaziou e em nenhum lugar do mundo é mais força motriz – não falamos da China, onde a discussão é outra, por conta de um estado absoluto e uma economia só reconhecida como de mercado por interesses comerciais ligeiros do Ocidente.

Os grupos e partidos beneficiados pelo chamado voto antissistema ou eurocéticos, vitoriosos na Grécia e com muito apelo na Itália e Espanha, parecem ter chegado ao limite. À frente de governos ou com posições de destaque no Parlamento, demonstraram-se frágeis, contraditórios, sem propostas coerentes e estáveis para dirigir um país.

No momento, em meio ao tumulto de ideias e de paradigmas, vemos movimentos de cunho restaurador, de um nacionalismo xenófobo e antiglobalista, querendo se afirmar em várias partes do mundo, tendo como centro principal os Estados Unidos, onde grupos religiosos, econômicos e políticos operam essa vertente sem qualquer pudor. A vitória de Jair Bolsonaro, em uma vertente tupiniquim, se insere nesse contexto.

Para onde o mundo vai? Para onde vamos no Brasil?

Ao certo, creio que ninguém tem uma resposta exata quanto aos desígnios do mundo e do Brasil. Muito se escreve sobre o futuro, sobre ideias, sobre governos e governabilidade. Mas nada se consolidou como paradigma que possa se abrir como uma perspectiva renovadora de forma estável, por décadas. Tudo está em aberto, por construir, em movimento.

Herdeiros que somos do iluminismo e da convencionada democracia ocidental, alguns postulados nos são caros e devem estar no centro de qualquer projeto: a democracia como valor universal, o inescusável respeito aos direitos humanos, a República, as liberdades individuais e coletivas, a busca da justiça social como um objetivo permanente, e a sustentabilidade (descartando-se o fundamentalismo, muito presente nessa área), o Estado laico, o internacionalismo, a paz e a solidariedade como os fios condutores nas relações entre as nações e o caminhar em direção a um mundo sem fronteiras e que supere o conceito de estrangeiro – nenhum ser humano é um estranho -,  tudo alicerçado porém nas culturas afirmativas dos povos.

Os partidos, com larga funcionalidade na sociedade industrial e em virtude dos estados nacionais, claudicam em sua forma atual. Estão ainda contaminados pela concepção de classes antagônicas e se firmam na democracia indireta, quando a democracia direta escancarou a sociedade moderna, sobretudo nos últimos 10 anos. Ou mudam ou morrem de vez, não há saída para eles se ficarem com a cabeça encravada na política do século XX.

O Cidadania, assim entendendo o mundo e o Brasil, quer ser protagonista dessa nova jornada. Longe de possuir respostas definitivas, apenas se abre para buscá-las. Certamente cometerá muitos erros, porém não poderá ser acusado de errar por se negar a trilhar novos caminhos.

De partida, distancia-se do legado classista, embora tenha em sua formação uma histórica sensibilidade e solidariedade com os mais pobres e os trabalhadores. Não acredita em uma ideologia acabada, mesmo sabendo que é impossível elidir cortes ideológicos em um grupo e de amplitude nacional, com suas histórias e dificuldades regionais. Nem tem a certeza da possibilidade no mundo contemporâneo de se construir um paradigma único, mas talvez um comum programa de governo.

A história, segundo entendemos, empurrou para um encontro mais profícuo liberais e social democratas, os dois nascidos do ideário pós revolução industrial. A uni-los o ideal da democracia e da liberdade numa nova etapa histórica das relações das pessoas na sociedade e da economia, onde mercado e Estado não mais necessariamente se opõem num duelo de vida ou morte.

No Cidadania com certeza não estarão todos os liberais nem todos os socialistas e socialdemocratas. As clivagens e as diferenças internas nesses dois campos são inúmeras. Acreditamos, porém, que o Cidadania tem horizonte para se transformar em importante referência de centro-esquerda e contribuir de forma positiva para a nossa democracia e o nosso desenvolvimento.

Além das dimensões políticas e programáticas, o Cidadania tem por vocação a criação de uma nova formação política, longe dos modelos centralizados e verticalizados, totalizantes. Um dos seus dilemas é permitir ao máximo possível o plasmar das diferenças de ideias e concepções, ser mais movimento e transparência, sem, no entanto, perder a credibilidade e capacidade diretiva. Se não resolver esse dilema, qualquer partido que se pretenda novo já nasce em conflito e em processo de decadência.

O Cidadania não é um projeto para 100 anos e não tem qualquer vocação para a prática da hegemonia em seu sentido totalizante. Pretende crescer, aumentar bancadas, ser eleito para dirigir Executivos, tendo clareza de buscar alianças amplas, duradouras, honestas e fraternas com forças políticas afins. Não vemos o poder como uma dimensão de luta fratricida e sem princípios.

A ética e o combate à corrupção são cláusula pétrea para o partido. Como são também o respeito e o equilíbrio entre os poderes republicanos. O desrespeito e o desmontar desse equilíbrio seriam a tragédia da democracia.

Em um de seus poemas, o português José Régio diz não saber por onde ir, mas se nega a caminhar pela bitola das sugestões e dos pensamentos velhos e consolidados.

Temos as nossas convicções e não queremos também caminhar pela senda do oportunismo e dos arranjos sem ética e sem princípios. Importante dizer: não estamos perdidos.

O Cidadania vem de caminhos antigos e honrados e que fazem parte de uma digna história. São referências.

Agora queremos construir e trilhar caminhos novos, até desconhecidos. Sem essa atitude, nossa e de outros, não haverá o futuro que todos desejamos.

* Roberto Freire é presidente do Cidadania.

Privacy Preference Center