Revista Política Democrática || Randolfe Rodrigues: Governo Bolsonaro envenena o Brasil

O Brasil ocupa, desde 2008, a posição de maior consumidor de agrotóxicos do mundo em números absolutos. Entre 2000 e 2010, o consumo indiscriminado de pesticidas aumentou 200% no Brasil, enquanto no restante do mundo foi de 100%. Só nos primeiros 11 meses de governo Bolsonaro foram autorizados 467 novos agrotóxicos.
Foto: Reprodução
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O Brasil ocupa, desde 2008, a posição de maior consumidor de agrotóxicos do mundo em números absolutos. Entre 2000 e 2010, o consumo indiscriminado de pesticidas aumentou 200% no Brasil, enquanto no restante do mundo foi de 100%. Só nos primeiros 11 meses de governo Bolsonaro foram autorizados 467 novos agrotóxicos

A agricultura desempenha papel importante na economia brasileira, garantindo alimento barato e superávit na balança comercial pela sua competitividade internacional. No entanto, o País precisa prestar mais atenção ao controle do uso de agrotóxicos, pois estamos diante de uma permanente exposição crônica a esses produtos. Não só trabalhadores rurais e camponeses estão vulneráveis, mas a população urbana de qualquer idade e classe social.

Entre 2000 e 2010, a utilização de pesticidas no mundo aumentou em 100%. No Brasil, o crescimento foi o dobro: 200%. Hoje, 20% dos agrotóxicos comercializados no mundo são vendidos no Brasil. O país ocupa, desde 2008, a preocupante posição de maior consumidor de agrotóxicos do mundo em números absolutos. Em 2017, cerca de 540 mil toneladas de substâncias tóxicas foram usadas nas lavouras do país, segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).

Se considerarmos o volume de agrotóxicos usados por hectare, o Brasil ficaria na sétima posição em 2017. No entanto, esse indicador não é muito confiável, pois existe forte suspeita de que, nessa conta, estão incluídas as extensas áreas de pastagens degradadas, onde não se aplicam agrotóxicos. Esse artifício matemático subestimaria o uso por hectare e não refletiria a realidade do consumo médio das lavouras brasileiras.

Outro grave problema vem do sistema brasileiro de registro, gestão e controle de agrotóxicos, que é extremamente precário. Há grande permissividade no registro de defensivos agrícolas de altíssimo grau de toxicidade para a saúde humana e o meio ambiente. Cerca de 30% das substâncias tóxicas usadas no Brasil foram banidas em outros países, principalmente Estados Unidos e Europa, por causarem gravíssimos problemas de saúde como o câncer, deformações em fetos, mutações genéticas, distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor, bem como provocarem severos impactos no meio ambiente, como a contaminação da água e a morte de abelhas e outros polinizadores.

O nível de resíduos permitidos nos alimentos e na água potável é escandalosamente mais alto no Brasil do que na União Europeia, por exemplo. No caso do cancerígeno inseticida Malationa, usado na produção do feijão, componente essencial da nossa dieta, o limite é 400 vezes maior do que na União Europeia. No caso do glifosato, considerado como cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o limite aceito na água potável que ingerimos é cinco mil vezes maior, e o nível aceito na soja é 200 vezes maior.

A fiscalização do uso dos agrotóxicos no Brasil é inexpressiva. Diferentemente dos Estados Unidos e União Europeia, que contam com forte estrutura fiscalizatória, aqui no Brasil o trabalho de inspeção do Ministério da Agricultura, Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além de ser insuficiente, está praticamente paralisado no atual governo.

Como resultado de sua defesa ardorosa por uma grande bancada parlamentar e por diversas autoridades de governo, as empresas fabricantes de agrotóxicos pagam poucos impostos. Os Estados reduziram em 60% a base de cálculo do ICMS para agrotóxicos, e o Governo Federal concede isenção total do IPI.

Os critérios usados pela Anvisa para liberação de agrotóxicos, produzidos em uma escala nunca antes vista, são, no mínimo, questionáveis. Essa situação pode ser bem ilustrada com o caso da reavaliação, em fevereiro deste ano, do agrotóxico glifosato, na qual o órgão concluiu que a substância não apresenta perigo para a saúde. No entanto, essa conclusão colide com estudos desenvolvidos em diversas instituições brasileiras e internacionais, como o Instituto Nacional do Câncer e a Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS). A Agência publicou relatório no qual confirma que o agrotóxico RoundUp (glifosato), produto fabricado pela multinacional Monsanto, é um agente potencialmente causador de câncer, mais precisamente do linfoma não-Hodgkin.

Importante salientar que o glifosato é o agrotóxico mais vendido no Brasil. Seu consumo em 2017 alcançou 173 mil toneladas. O volume corresponde a 22% das estimativas de vendas para esse químico em todo o mundo no mesmo ano. Isso dá uma dimensão da pressão exercida sobre a Anvisa e demais órgãos de registro, para mantê-lo no mercado.

Pesquisa da Universidade Federal do Piauí constatou contaminação pela substância em 83,4% das amostras de leite humano obtidas na maternidade do município de Uruçuí. O município é o maior produtor de soja do Estado. Igual contaminação foi encontrada em amostras coletadas entre lactantes do município de Oeiras, 340 km distante, onde a produção agrícola é inexpressiva.

Entre as mães que participaram do estudo cedendo amostras de leite, 23,1% tiveram a gravidez interrompida de uma a quatro vezes e estão sujeitas a outros fatores de risco como a prematuridade, baixo peso do bebê ao nascer, peso reduzido para a idade gestacional e microcefalia.

Pesquisa recente realizada pelo Laboratório de Mutagênese da Universidade Federal de Goiás constatou que trabalhadores rurais que atuam na aplicação de agrotóxicos em lavouras do Sudeste e Sudoeste de Goiás apresentam 4,5 vezes mais lesões no DNA que pessoas que não exercem essa atividade. Esses resultados foram obtidos a partir da análise de sangue e mucosa oral de 200 trabalhadores.

Os números revelam que a contaminação da água está crescendo rapidamente. Em 2014, 75% dos testes realizados pelas empresas de abastecimento de 1.396 municípios detectaram todos os 27 agrotóxicos que são obrigados, por lei, a testar. Destes 27 produtos, 21 estão proibidos na Europa. Esse percentual subiu para 84% em 2015, para 88% em 2016, chegando a 92%, em 2017. Nesse ritmo, em alguns anos pode ficar difícil encontrar água sem agrotóxico nas torneiras do país.

Toda essa grave situação piorou muito com o novo governo. O Ministério da Agricultura está liberando agrotóxicos em uma escala inédita no Brasil. Nos primeiros 11 meses de governo Bolsonaro, foram autorizados 467 novos produtos, o que representa 20% de todos os agrotóxicos liberados no país nesta década. Entre 2010 e 2018, foi liberada uma média de 16 agrotóxicos por mês. Esse número aumentou 261% em 2019, chegando a 42 agrotóxicos. É a prova inconteste de que o governo Bolsonaro está inundando com venenos, não só a mesa dos brasileiros, mas também todo o meio ambiente.

Levantamento do jornal Folha de S. Paulo, publicado em 19/09/2019, informa que grande parte dos 96 ingredientes ativos que compõem os agrotóxicos liberados no Brasil até aquela data não é registrada em outros importantes produtores agrícolas. Na União Europeia, essa proporção chega a 29%; Austrália, 38%; Índia, 31%; e 19%, no Canadá.

Controle de agrotóxicos é assunto de grande complexidade e envolve poderosos interesses. Mas uma coisa é certa: não se pode mais admitir que, sob o pretexto de produzir alimentos baratos, a população brasileira seja obrigada a comer alimentos contaminados com substâncias cancerígenas e ter os recursos hídricos, o solo e o ar poluídos por tantas substâncias perigosas. Existem tecnologias, métodos e práticas agrícolas que permitem reduzir significativamente o uso de agrotóxicos e banir completamente as substâncias extremamente perigosas, que inclusive já são proibidas em outros países.

Não há argumento ético que justifique que esses agrotóxicos continuem sendo usados e estimulados no Brasil. O povo brasileiro não é mais resistente a esses venenos do que os habitantes dos países que os proibiram. Nem são pessoas menos dignas do que as de lá para que sejam obrigadas a consumir esses produtos.

O debate está aberto e deverei apresentar, na volta da COP 25, um Projeto de Lei para estabelecer um sistema mais rigoroso de controle de agrotóxicos, mantendo as condições para que a agricultura possa se desenvolver de forma economicamente próspera, mas sem abrir mão das medidas necessárias para tornar cada vez mais seguros os químicos usados na agricultura, através do melhor controle da contaminação do ambiente e da saúde de homens, mulheres, crianças e idosos e das próximas gerações.

 

 

 

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