Revista Política Democrática Online || Fernando Lyra: Um país à margem do mundo

Bolsonaro teve – e perdeu – a chance de se fazer respeitar com o discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Repleta de fatos distorcidos e visões de mundo extremistas, a fala do presidente brasileiro envergonhou o País perante o mundo.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Bolsonaro teve – e perdeu – a chance de se fazer respeitar com o discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Repleta de fatos distorcidos e visões de mundo extremistas, a fala do presidente brasileiro envergonhou o País perante o mundo

Poucas vezes o discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), historicamente feito pelo Brasil, foi tão esperado pela comunidade internacional. Após nove meses de governo, período em que a imagem do Brasil se desgastou continuamente em face de uma política externa marcada pelo sectarismo, nacionalismo exacerbado e um conceito de soberania que ignora conceitos básicos de interdependência entre nações, o presidente Bolsonaro teve – e perdeu – a chance de se fazer respeitar. Com um discurso repleto de mentiras, fatos distorcidos e visões de mundo extremistas, envergonhou o País perante o mundo.

Já na semana anterior, observaram-se no mundo inteiro massivas manifestações de jovens em cobrança de ações dos governos para enfrentar a mudança do clima. Era véspera do início da Cúpula da Juventude sobre Clima e da Cúpula do Clima, eventos promovidos pela Organização das Nações Unidas, previamente à AGNU. Mas, ao contrário do histórico protagonismo exercido pelo País nos foros multilaterais ambientais, o que se observou foi a melancólica ausência do Brasil, agora olhado como pária ambiental por todas as nações relevantes do planeta, buscando, de forma patética, convencer formadores de opinião a mudarem suas próprias opiniões sobre a destruidora política ambiental brasileira.

O mesmo presidente da República que abriu a AGNU não se dispôs a perfilar-se, no dia anterior, junto a outros chefes de Estado, para expressar as visões e ambições do Brasil em relação ao tema que, globalmente, é o que mais tem mobilizado cidadãos, empresas e governos em todo o mundo: a mudança do clima. Melhor assim: não haveria muito o que falar. Há poucos dias, seu chanceler, Ernesto Araújo, que antes de tomar posse já havia descrito a mudança do clima como um dogma, explicitou em discurso num centro de estudos conservador norte-americano o que o novo governo pensa: não acredita no aquecimento global como resultado da ação humana; as queimadas e alertas de desmatamento no Brasil são superdimensionados e a mudança do clima é um pretexto para a ditadura e a perda da soberania nacional. Suas falas foram ridicularizadas até mesmo em conservadores meios americanos, de sorte que talvez fosse melhor, mesmo, o Brasil não falar nada na Cúpula sobre Clima.

Enquanto isso, o presidente despachou seu ministro do Meio Ambiente para um road show nos Estados Unidos e Europa. O ministro, que recentemente declarou: “nós falhamos na comunicação; esse é o ponto mais importante”, levou a sério sua crença e resolveu comunicar a atores governamentais e à mídia internacional uma visão distorcida da realidade oferecida pelo novo governo: exibir o Brasil como um líder mundial em conservação ambiental, apresentar dados que mostram a maior parte do território nacional preservado como florestas e relatar como os agricultores brasileiros fazem enorme esforço de conservação sem ganhar nada em troca.

Foto: Alan Santos/PR

 

A fórmula tem sido a mesma em todos os encontros: o ministro se vale de dados distorcidos, alguns números escolhidos a dedo e outros simplesmente errados. Se a ideia era esclarecer a verdade sobre a atual política ambiental brasileira, pode-se considerar a missão do ministro um sucesso: ninguém acredita nele. Até mesmo os insuspeitos órgãos conservadores de imprensa que o entrevistaram, escolhidos a dedo, apresentaram reportagens demolidoras em que contrastavam as falas do ministro com a realidade que hoje o mundo inteiro conhece. A reportagem da agência Associated Press, após entrevista com o ministro, ironizou: “em julho, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro descartou preocupações globais sobre incêndios na maior floresta tropical do mundo, dizendo: ´a Amazônia é do Brasil, não sua. Agora, o governo do presidente de extrema direita tem nova mensagem: está tudo bem e a floresta tropical está aberta para investimentos privados”.

A ironia não é gratuita. Durante a mesma viagem, o ministro do Meio Ambiente relatou à imprensa, após encontro no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a futura criação de um novo fundo, a ser operado pelo banco, sem oferecer qualquer tipo de detalhes sobre países ou entidades doadoras, recebedoras, valores ou prazo para entrar em funcionamento. Disse apenas que será “um fundo que contempla países e setor privado, tanto na ponta de doação como na do recebimento dos investimentos, para desenvolvimento, pesquisa e desenvolvimento de atividades (…) um mecanismo importante para avançar na bioeconomia”.

Seria irônico se não fosse uma irresponsabilidade como agente público. A governança do BID requer que todos os projetos com valores minimamente expressivos sejam aprovados pelos seus doadores, o que inclui países como França, Noruega, Áustria, entre outros. Enquanto isso, o governo brasileiro está implodindo o Fundo Amazônia, hoje paralisado, que tem governança 100% nacional, sem doadores sentados à mesa e com recursos destinados prioritariamente a órgãos governamentais. Qual é o sentido, agora, de se alardear um fundo com governança multilateral em que diversos países, doadores ou não, estarão deliberando sobre projetos a serem implementados na Amazônia brasileira? E os argumentos em prol da soberania nacional?

A pá de cal da semana foi o discurso do presidente Bolsonaro. Ele até tentou as palavras mágicas, “nós cuidamos da Amazônia”, “nós nos preocupamos com o meio ambiente e com os nossos índios”, mas, a exemplo do que acontece com seu ministro do Meio Ambiente, não se trata de uma mera questão de comunicação. Em uma intervenção com forte viés ideológico, criticou outros países, desancou a mídia e negou responsabilidade no aumento do desmatamento da Amazônia… não convenceu ninguém.

O Brasil se tornou chacota nos meios diplomáticos. A fala do presidente confirmou, nos que tinham dúvidas, o desprezo do atual governo por temas que nos eram preciosos, como meio ambiente, direitos humanos, multilateralismo, e nos posicionou no espectro das Nações Unidas como um país de governante autoritário, sem capacidade de atuar construtivamente em busca de consensos, um paiseco satélite dos Estados Unidos. Ele sequer tentou disfarçar, parecer simpático, afável e contemporizador… ele foi apenas ele mesmo. E, nisso, podemos elogiá-lo. Hoje não há, no mundo, dúvidas sobre o tipo de governante que preside o Brasil. E ele não está à altura do País que somos.

 

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