Pedro Doria: E o Brasil se tornou um imenso Facebook

Ao levar para lá nossa conversa sobre política, esta virou destilação de ódio, rancores passados e lacração.
Foto: Reprodução/Google
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Ao levar para lá nossa conversa sobre política, esta virou destilação de ódio, rancores passados e lacração

Imagine, caro leitor, se Ciro Gomes (PDT) desse uma espetacular arrancada nestes últimos dias, desbancasse Fernando Haddad (PT), e no domingo chegasse ao segundo turno para disputar com Jair Bolsonaro (PSL) a finalíssima desta eleição. Não vai, daqui, nenhuma torcida. Ciro entra no raciocínio por um único motivo: é ele, e não qualquer outro, quem está em terceiro. Estivessem nesta posição Geraldo Alckmin (PSDB) ou Marina Silva (Rede) ou ainda João Amoêdo (Novo), também para eles valeria. Ocorre que é Ciro.

Estatisticamente, nada indica que um movimento destes esteja em curso.

Então, numa arrancada final, Ciro chega ao segundo turno. Com baixa rejeição perante o adversário, e num clima de otimismo daqueles que só nasce quando algo próximo do impossível é feito, muito provavelmente seria embalado rumo à vitória. A verdade, e a gente vê isso tanto nas pesquisas quanto sente em nossas conversas cotidianas, é que tem gente com horror ao PT. E tem gente com horror a Bolsonaro. Há horror a esses dois, mas não aos outros.

Aliás, muitos dos que votam em Haddad votariam noutros; muitos dos que votam em Bolsonaro, idem.

Nós já assistimos a vitórias eleitorais em ambientes de otimismo e generosa expectativa. Foi assim com Fernando Henrique, em 1994. Assim como foi com Lula, em 2002. Um parecia ter terminado com a hiperinflação – e, para quem não viveu, acreditem: era um pesadelo. Vindos da Ditadura, do Sarney e do Collor, parecia que enfim o Brasil iniciaria seu futuro. Com a chegada de Lula não foi diferente. Até o próprio FH era só sorrisos passando a faixa. Tínhamos um país normal, com transições normais, em que grupos políticos são sucedidos por outros.

Sim, os eleitores de Bolsonaro e Haddad poderiam votar em outros — mas não vão fazê-lo. E quem acompanha as conversas das redes sociais – do Facebook ao Twitter, passando pelo WhatsApp – entende logo seu estado de espírito. Eles têm raiva. Petistas querem ir à forra contra o ‘sistema’. Bolsonaristas querem humilhar. É bom ‘jair’ acostumando. Não basta ganhar, é preciso lacrar, deixar o vencido de joelhos. Quando entram num embate, não importa em qual caixa de comentários, é com gana que o fazem. Têm verdades e uma forte carga emocional. Têm, principalmente, não adversários – mas, sim, inimigos.

O clima das redes sociais se tornou o clima das ruas. No domingo, quando formos às urnas para muito possivelmente levar PT e Bolsonaro ao segundo turno, sabemos que estamos criando um embate entre dois pesadelos brasileiros. Nossa história de corrupção, nossa história ditatorial. Não poderemos escolher entre o melhor que o Brasil pode ser. Teremos de suspirar e tentar compreender o que é menos pior.

Que profunda tristeza, esta escolha.

Se o eleitor de Bolsonaro poderia escolher alguém que causaria menos dor aos outros, mas não o faz, ele está mandando um recado. Se o eleitor de Haddad faz o mesmo, passa a mesma mensagem. É isto que têm em comum. A mensagem é: queremos continuar brigando pelos próximos quatro anos. Pois, elegendo-se um ou outro, ao menos metade do Brasil estará profundamente insatisfeita.

A internet das redes sociais produz conversas ásperas. Ao levar para lá nossa conversa sobre política, a política virou destilação de ódio, rancores passados e lacração. Com a diferença de que, aqui fora, não tem como dar block. O Brasil poderia escolher um caminho eleitoral que apontasse uma terceira via, poderia escolher o apaziguamento e buscar otimismo. Mas não é o clima que, coletivamente, escolhemos seguir. Escolhemos seguir brigando.

E assim essa terra cumprirá seu ideal: vai tornar-se um imenso Facebook.

 

 

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