PD #49 – Demétrio Carneiro: Uma discussão sobre um futuro nem tão distante

Difícil achar quem pense, com um pouco de seriedade, sobre o momento atual e não esteja preocupado com as mudanças que poderão ou não acontecer a partir das eleições de 2018. Normalmente, os processos eleitorais, especialmente numa data tão antecipada como esta em que escrevemos, não são muito fáceis de escrutinar, mas este em especial acumula um grande número de elementos.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Difícil achar quem pense, com um pouco de seriedade, sobre o momento atual e não esteja preocupado com as mudanças que poderão ou não acontecer a partir das eleições de 2018. Normalmente, os processos eleitorais, especialmente numa data tão antecipada como esta em que escrevemos, não são muito fáceis de escrutinar, mas este em especial acumula um grande número de elementos.

O governo Temer

O governo Temer veio ao mundo, a partir de uma ampla coalizão de oposicionistas em que todos sabiam de duas coisas: 1) Dilma não reunia mais as condições necessárias para permanecer no posto; 2) A crise das Finanças Públicas estava instalada e gerava um quadro de quebra de confiança que estava travando a economia, impedindo qualquer chance de retomada.

Contudo, essa coalizão vencedora não durou o  necessário  para um mínimo de estabilidade. Logo, o enfrentamento da questão patrimonialista colocaria no centro do palco o próprio presidente Michel Temer e seus assessores mais próximos, iniciando um novo ciclo de instabilidade.

A coalizão vencedora se desfez. Já sabemos que, quando se trata de defenestração, abandonar grandes coalizões tem custo baixo para quem o faz. Mas houve um custo para a retomada da economia, se olharmos para a necessidade de apresentar uma solução para o segundo motivo da criação dessa coalizão vence- dora: a crise das Finanças Públicas.

Apesar da permanência, sob outro formato, da crise política, desta vez pela ruptura da Coalizão Vencedora, os agentes econômicos, ao ser estabelecido um mínimo de confiabilidade, sentiram haver condições para a retomada dos negócios, e a economia vem se movimentando em parâmetros mínimos. O processo recessivo, iniciado no segundo trimestre de 2014, mas cuja origem está em 2008/2009, aparenta ter finalizado com uma sucessão de trimestres de PIB positivo.

Certamente, o fôlego desta pequena retomada vai estar na manutenção da confiabilidade dos agentes e vinculada a alguma proposta mais sólida e estruturada de solução da crise das Finan- ças Públicas. E é aí que nossos problemas começam, pois o debate da crise tem tudo a ver com o que se espera do Estado e isso implica em escolhas que são reflexo de posições históricas no cenário político brasileiro.

O grupo dissidente que se retirou da Coalizão Vencedora, por sua vez, também se fragmentou e foi incapaz de apresentar propostas concretas que não fossem apenas um discurso de oposição paralelo ao discurso dos derrotados: Temer não serve! Uma parte deste grupo, por questões ideológico-políticas, está sendo incapaz de aceitar alterações de políticas públicas focadas na solução da crise das Finanças Públicas, mas que tem tudo a   ver com o papel do Estado, e pratica uma política ativa de enfren- tamento e negação. Outra parte caminha sobre a corda bamba e   é, na prática, incapaz de se definir com clareza nesse tema, que rejeita toda e qualquer ambiguidade.

A dissolução do formato original da Coalizão Vencedora enfraqueceu a capacidade de negociação do governo Temer e o que se instala, nestes momentos, é o tradicional troca-troca desse presi- dencialismo que necessita de uma maioria incerta para passar seus projetos. O processo de troca não apenas obriga o governo a direcionar novos recursos para o chamado Centrão, mas também enfraquece as metas fiscais. Mesmo que imaginemos que muitos bodes foram postos na sala, o fato é que a incapacidade de definir, com mais objetividade, o tamanho da atual coalizão acaba fazendo com que as corporações ganhem fôlego e tenham maior capacidade de intervenção. É o que estamos vendo no debate da Reforma Previdenciária. É claro que a soma de todas as demandas das corporações nos coloca nessa situação  de  insustentabilidade fiscal, mas toda corporação vai sempre achar que seu público em especial tem mais direitos que o público em geral ou o público das outras corporações.

Acabaremos descobrindo até que ponto é possível esticar esta corda das soluções fiscais, embora já se fale em transferir o problema para o próximo governo. Até que ponto esse clima afetará o comportamento dos agentes econômicos, também ainda veremos. O que é certo é que colocar as soluções no colo do próximo governo pode não ser uma solução, a depender do eleito  e de sua capacidade de formar alianças.

Esta esperança de um novo governo capaz de enfrentar, de forma definitiva, todo o conjunto de reformas e mudanças institu- cionais necessárias, é falsa e já não deu certo no passado. Basta   ver como os sucessivos governos acabaram fugindo do debate previdenciário de fundo e preferiram soluções mais fáceis. Invaria- velmente todos se depararam com a necessidade de formar maio- rias e todos tiveram que negociar e reduzir demandas de mudança.

O Estado

A questão do Estado e seu papel continuam sendo o tema principal. Para 2018 não será diferente. O que chamamos de crise das Finanças Públicas pode ser bem simplificado numa pequena frase: “gastamos mais do  que  temos  capacidade  de  arrecadar”. A questão imediata é “onde gastamos?” e “onde iremos buscar recursos para cobrir o que gastamos?”. Para responder às duas perguntas, precisamos definir o que queremos do Estado.

O que a sociedade espera do Estado está inscrito na nossa Constituição Federal e tem a ver com qualidade de vida. Constitu- cionalmente, a sociedade elege o Estado como um instrumento de entrega de qualidade de vida. O problema é se há meios de garan- tir qualidade de vida para todas e todos. Alguns acham que sim, outros que a obrigação do Estado é garantir a qualidade de vida dos mais pobres. O Estado caminha sobre esse fio de navalha da necessidade de entregar bens e serviços, qualidade de vida, que atendam ao conjunto, mas ao mesmo tempo precisa ter  meios para dar atenção aos mais pobres.

Como o cobertor é um só, algumas questões vão aparecendo…

Para cada real entregue ao Estado, quanto chega à ponta final em forma de produto ou serviço? Desse real quanto é apropriado pelo patrimonialismo? Quanto a ineficiência gera de perdas pelo meio do caminho? Se não houver recursos tributários, vamos recorrer ao aumento da dívida pública? Não havendo recursos para todos, nosso foco serão os mais pobres e os outros terão que, mesmo pagando tributos, recorrer aos bens e serviços privados? Para equilibrar a Previdência, e ainda assim garantir recursos para os mais pobres, cortamos recursos para os outros, sob a forma de limitação de teto, ampliação da idade de aposentadoria etc.?

Como se pode constatar, a discussão sobre o cobertor vai envol- vendo um grande número de questões crescentemente complexas. Todas falam do papel do Estado e de escolhas que a sociedade deve querer fazer. Contudo, são escolhas que não devem, de princípio, como se diz “matar a galinha dos ovos de ouro”. Um Estado falido, quebrado, não interessa a nenhum dos atores, mesmo que alguns destes atores façam de conta que o problema não existe.

O teto de crescimento
Pode parecer simples, mas não é assim… Após 15 trimestres a FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), que é o número que indica os investimentos, voltou  a  apresentar  um  crescimento  positivo. A recessão somada à falta de investimentos acaba criando um limite de crescimento a partir do qual mudanças institucionais tornam-se necessárias, especialmente sob o risco de intensificação do processo inflacionário e limites físicos, até mesmo logísticos.

A questão do teto de crescimento e seu vínculo com mudanças institucionais também é um assunto para 2018.

A rede das redes nas eleições de 2018
Há muito se discutia que a pós-modernidade havia fracionado as agendas, mas agora é que esses efeitos começam a ficar mais claros. Esta ruptura de agendas acaba criando diferentes grupos compostos pelas mesmas pessoas ou por pessoas focadas apenas num tema e desinteressadas nos outros. A rede de internet é facilitadora desses movimentos de formações pontuais e instantâneas de grupos de interesse específico.

Para o mundo da política, o problema é que partidos se movimentam em agendas orientadas e que envolvem um certo grau de coerência entre os diversos temas. A questão dos partidos passa a ser quando seus filiados se comportam como nas redes, e determinadas escolhas colidem com a agenda partidária. Pode ocorrer um agrupamento dedicado à questão da pessoa com deficiência alinhado com a agenda de apoio a esse tipo de minoria e pode haver, naquele agrupamento, pessoas a favor da redução da maioridade penal, postura desalinhada com a agenda partidária. Em certo sentido, a ausência de debates é facilitadora da acomodação dessas contradições que acabam eclodindo apenas em situações muito específicas.

Se realmente o partido é o meio intermediário entre a cidadania e o Estado, isto é, leva para a gestão pública as demandas da sociedade em forma de novas leis e o não cumprimento das atuais, a dúvida é como acomodar esta contradição de forma democrática. Enfim, é possível acomodá-la, a contradição, talvez reproduzindo o formato das redes numa agenda multifacetada e em permanente modificação, nesse sentido numa não agenda?

As crises simultâneas
As eleições de 2018 apresentam um quadro bem peculiar. No primeiro plano, uma forte crise institucional que atinge as três estruturas de poder republicano: Executivo, Legislativo e Judiciário. Há um forte esgarçamento da tessitura institucional. As instituições são criadas pela sociedade como elementos de geração de estabilidade, focadas na cooperação, como forma de superar os conflitos. Elas fornecem regras e previsibilidade. Se considerarmos essa afirmativa como correta, fica mais fácil entender o atual ambiente.

Contudo, este esgarçamento não tem origem apenas no desencanto, consequência da exposição à luz do dia da estrutura patrimonialista que atinge não só os três poderes republicanos, mas também os três níveis federativos. Para onde se olhe com mais detalhes a ação do Estado, a ação patrimonialista fica evidenciada. Não necessariamente por corrupção passiva ou ativa, mas por diversos outros comportamentos (empregos cruzados para parentes e associados, alocação de cabos eleitorais, direcionamento favorecido na aplicação de recursos, sobre preços nas aquisições, uso do poder corporativo na geração de benefícios e rendimentos indevidos), comportamentos que acabam por ser, de fato, apropriação privada de recursos que deveriam ser utilizados em favor de todas e de todos. A Rede Neopatrimonialista é transversal à estrutura do Estado e conecta os diversos níveis e camadas, em inúmeros centros de poder que vão do local ao nacional.

O desencanto também pode ser considerado como resultante de duas crises que ocorrem simultaneamente no Brasil e, simul- tânea ou isoladamente, em muitos outros países: a crise das democracias representativas e participativas; e a crise do apare- lho do Estado. A soma de todos estes elementos desagua na Agenda Negativa que, tudo indica, poderá ser um forte compo- nente a ser considerado nas eleições de 2018.

Talvez a possibilidade de entregar esperança de mudanças e produzir confiabilidade nunca tenham sido tão importantes quanto no processo que se aproxima.

A crise das democracias representativas e participativas

Instituições formais ou informais dependem de confiabilidade. No caso da democracia representativa, a confiança dos eleitores está em queda. Mesmo que não seja um fenômeno apenas nosso, local ou nacional, a queda da confiança pode afetar o comportamento do eleitor, tanto pela via da abstenção  quanto pela via das soluções radicais.

Menos debatida ainda temos a considerar que a democracia participativa também está em crise. Já houve um momento em que se considerou que o aprofundamento do processo de demo- cratização na sociedade brasileira se daria pela via da interconexão entre ambas as formas de democracia. Não foi o que o mundo real nos trouxe. Mesmo que, a partir da Carta Magna de 1988, tenhamos vivido um surto formal de participação da sociedade civil na gestão do Estado e na ação das diversas entidades do movimento social, esse surto acabou por se consolidar mais no aspecto da formalidade legal com a criação de dezenas de conselhos paritários nos diversos níveis federativos. Conselhos Paritários e Entidades Sociais são fortes dependentes da cidadania e o que presenciamos, mesmo com momentos como o de 2013, é um forte embotamento da cidadania. Conselhos Paritários acabam manipulados pelo Poder vigente e entidades sociais acabam por ser estatais dependentes e, portanto, também manipuladas pelo Poder vigente. Restaria considerar o papel da rede das redes, mas isso trataremos em outro momento.

O debate sobre democracia representativa e democracia participativa não é abstrato e tem tudo a ver com a gestão pública e o papel que o Estado deve e precisa exercer na entrega da qualidade de vida às famílias. Este é o problema atual. Eleitores e seus familiares tendem a considerar que a escolha de representantes pelo voto ou a participação em conselhos paritários ou a atuação no movimento social não produzem o resultado esperado. Enfim, não entregam mais qualidade de vida.

para qual lado vai esse trem?

Há um alto risco em escrever qualquer coisa sobe o que vem    à frente em momentos de tanta volatilidade como o atual, mas vamos ver como leremos o que aí foi escrito dentro de noventa ou cento e vinte dias…

O subtítulo escolhido nos dá uma certa comodidade. Afinal, na Estação e com o Trem a nossa frente, ele só pode ir para a esquerda ou para a direita. Acho que é assim que boa parte dos que se atrevem a analisar o que vem nos próximos meses ou anos costuma se imaginar. Esquerda ou direita, sem se preocuparem com as ramificações que estarão mais à frente e que, de alguma forma, poderão levar esse Trem, que ia para a esquerda, seguir para a direita e, quem sabe, fazer o círculo completo e voltar ao mesmo lugar da partida. À Estação Lugar Algum, ou Lugar Nenhum, se assim preferirem…

“Trem” aqui também pode ter outro significado. De trem difí- cil de carregar. De um momento em que tudo leva a um efeito de arrastro que nos imobiliza, cansa, satura…

Finalmente, estas coisas podem se cruzar, pois afinal o Trem arrastado, ainda assim, precisa ir para algum lugar, pois lugar nenhum não é um bom lugar para se estar.

* Demétrio Carneiro é economista, especialista e pesquisador em políticas públicas

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