Paulo Hartung: Uma agenda de travessia para superação de longo curso

Urge reformar o Estado, hoje disfuncional, caro, analógico, aparelhado e concentrador de renda.
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Urge reformar o Estado, hoje disfuncional, caro, analógico, aparelhado e concentrador de renda

A pandemia do novo coronavírus alcançou o Brasil num estado de fragilidade socioeconômica e fiscal. E esse quadro geral de desafios só tem piorado nos últimos meses. O enfrentamento desconcertado aumentou a pobreza, pela primeira vez deixou desempregada mais da metade da população em idade de trabalhar, agravou seriamente a situação das contas públicas e afetou negativamente a perspectiva de crescimento futuro.

O aprofundamento de nossos problemas se deu inicialmente porque desperdiçamos o precioso tempo entre a eclosão da pandemia e a sua chegada até nós. Além disso, políticas públicas cruciais foram desenhadas com graves distorções, comprometendo a sua eficácia.

O auxílio emergencial não chegou a muitos dos que são vulneráveis, ainda que tenha sido embolsado por quem não precisava. O crédito não alcança pequenos e microempreendedores, os mais prejudicados. O repasse de recursos a governos subnacionais foi feito sem as devidas contenções e contrapartidas compatíveis com o tamanho do sacrifício que representam para o Brasil de hoje e de amanhã.

A falta de liderança vem impondo desafios extras à Nação, justamente no momento da maior crise jamais vivida pelas atuais gerações. Desse modo, dos países de destaque na cena global, caminhamos para figurar entre os de pior gestão da pandemia.

Desde o início de nossas análises sobre esta situação mostramos que toda crise tem começo, meio e fim, porta aprendizados e apresenta desafios que criam espaços para reinvenções e avanços, como parte do seu enfrentamento.

Também deixamos evidente que este tempo exige um duplo esforço: atenção máxima ao presente, com sua demanda prioritária por salvar vidas, empregos e atividades econômicas; e foco no futuro, com a necessidade de agirmos desde já para tornarmos viável o Brasil que queremos no pós-pandemia.

Mas como poderíamos mudar a rota, que hoje se mostra bastante errática? A reação robusta da sociedade diante dos ataques à democracia indica que o caminho do engajamento civil é potente para efetivar mudanças necessárias e tornar viáveis as soluções essencialmente colaborativas, tanto as emergenciais quanto as de sustentação da vida nacional.

Por outro lado, a recente aprovação do novo marco regulatório do saneamento básico pelo Congresso Nacional mostra a possibilidade e a relevância de mudanças estruturais para oxigenarmos nossas perspectivas do pós-pandemia, mas já com efeitos positivos no presente.

Nesse sentido, é necessário avançarmos na agenda da modernização do País, mobilizando sociedade e instituições. Precisamos evoluir na reforma tributária, para termos um sistema mais justo para os contribuintes, mais neutro para os investimentos e menos danoso para o ambiente de negócios.

Ambiente esse que, de modo geral, também precisa de mais segurança jurídica, a partir da efetivação de novos paradigmas de regulação, habilitando-se a atrair mais investimentos privados, especialmente no campo das infraestruturas (energia, transmissão de dados, rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, entre outros).

É urgente reformar o Estado, hoje disfuncional, caro, analógico, em muitos casos aparelhado por grupos privados e públicos, além de promotor da concentração de renda. Esta crise revelou que os governos não conhecem todos aqueles de quem cobram altos impostos. Enfim, por todos os aspectos, é preciso tornar as máquinas governativas contemporâneas do século 21.

A superação da desigualdade é tema absolutamente prioritário. Educação de qualidade acessível a todos é a principal ferramenta para vencermos a iniquidade socioeconômica. Assim como é primordial reorganizar as políticas de inclusão social produtiva e de transferência de renda, alcançando quem realmente precisa, aproveitando a bem-sucedida experiência do Programa Bolsa Família, mantendo o foco nos mais empobrecidos.

Para além de tudo isso, devemos ainda estar atentos às fortes tendências, como, por exemplo, a bioeconomia, que representa oportunidade de criar emprego, renda e proteção à natureza. O Brasil deve investir na capacitação de sua gente para que se integre à floresta de maneira equilibrada. Junto a isso, é preciso manter a reputação duramente conquistada pelo País mundo afora quanto à sustentabilidade. Os últimos acontecimentos na Região Amazônica prejudicam não somente o meio ambiente, mas também a credibilidade construída ao longo do tempo.

Enfim, temos muito a fazer. Seguindo uma agenda de travessia, republicana e suprapartidária, institucionalidades, setores produtivos, cidadãs e cidadãos devem se mobilizar para cruzarmos esta tormenta com zelo pelo presente e responsabilidade com o que virá. Afinal, como alertou Sêneca, não há vento favorável para quem ignora onde está, em que tempo navega e aonde quer chegar.

*Economista, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), membro do Conselho do Todos Pela Educação, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)

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