Octavio Malta, um dos 10 mais influentes jornalistas do Brasil

Nos anos 60, Nestor de Holanda publicou uma relação dos 10 maiores jornalistas do País, a seu juízo naturalmente. Entre eles estava Octavio Malta que escrevia, em Ultima Hora, a coluna ‘Jornais e Problemas’.
Foto: Álbum de família/Facebook
Foto: Álbum de família/Facebook

Nos anos 60, Nestor de Holanda publicou uma relação dos 10 maiores jornalistas do País, a seu juízo naturalmente. Entre eles estava Octavio Malta que escrevia, em Ultima Hora, a coluna ‘Jornais e Problemas’. Cada um dos 10 mais tinha a sua justificativa. A de Malta era a seguinte: todo jornalista quando se senta diante da máquina de escrever, pede aos céus para ser o mais claro e simples possível. E dizia Maria: “E Malta é o único a quem Deus atende”.

Assim era Octavio Malta: claro e simples, objetivo, ousado, corajoso, determinado, amigo, generoso, teimoso, batalhador, irônico, otimista, engraçado, descobridor, respeitado.

No final dos anos 30, quando Samuel Wainer o conheceu, ele já era “um pouco o guru da imprensa brasileira”. Dorival Caymmi diz que “Malta, pessoa do meu coração, sempre se dizia a boca pequena que ele era o melhor secretário de jornal que existia. Um riso adorável, uma calma e, para o trabalho que fazia, um milagreiro”.

Augusto Nunes foi quem escreveu, a pedido de Pink Wainer, as memórias de Samuel: ’Minha Razão de Viver’. Quando ele chegou ao final das 57 fitas que Samuel deixou gravadas, Nunes confidenciou-me: “O depoimento é impressionante. Samuel detona todo mundo. Inclusive ele próprio. O único que fica bem na história, e durante toda a vida, é Octavio Malta”.

Malta sempre ficou bem. Pode-se pegar qualquer livro de memórias de intelectuais de sua época. Não importa de quem sejam as lembranças. De Darci Ribeiro a Nélson Rodrigues, ou mesmo historiadores estrangeiros como John W.F. Dulles. E isso desde o tempo de Graciliano Ramos, que o incluiu em suas ‘Memórias do Cárcere’.

Malta fez sempre um jornalismo militante que o tornou personagem de Graciliano Ramos em ‘Memórias do Cárcere’. No alto da página tem a foto da prisão. Malta é o primeiro da esquerda para a direita. E é o único que exibe o punho esquerdo fechado.

Pernambucano de Nossa Senhora do Ó, distrito de Nazaré, Malta nasceu em 1902 e, aos 17 anos, foi trabalhar como revisor, depois como redator, no Diário de Pernambuco. Mas aos 23 anos foi obrigado a sair do Recife, juntamente com Osório Borba. Os dois criticavam o Governador Sérgio Loreto, que pedia insistentemente suas cabeças, o que acabou impedindo-os de continuar trabalhando em jornal.

No Rio, Malta teve alguns meses de “boca incerta” – época em que trabalhava em ‘A Folha’, vespertino decadente de Medeiros e Albuquerque, que funcionava num prédio em frente à antiga sede do ‘Jornal do Brasil’. Em 1926, foi redator da ‘Tribuna’, o “vermelhinho que servia de acústica para a oposição revoltada”.

Após um período na Bahia, Malta voltou ao Rio, sempre trabalhando em folhas oposicionistas de grande influência na época, a começar por ‘A Esquerda’, de Pedro Mota Lima, além de ‘A Batalha’ e do ‘Diário da Noite’.

Secretário-geral do Socorro Vermelho, organização de solidariedade do Partido Comunista, em 1935 foi preso na Casa de Detenção, no Rio. Lá, recebia os jornais diários e escrevia um resumo do noticiário que, nas galerias da Frei Caneca, era ouvido pelos demais presidiários através do médico Campos da Paz, que lia, em voz alta, o que havia sido redigido pelo amigo de cela. Marta, como o chamavam os mais íntimos – ele tinha dificuldade em pronunciar os eles –, era o Matoso na época, “mas meu nome legá é Octavio Malta”, brincavam os amigos.

Paulo Francis escreveu em 1984 que Malta foi “um polemista de esquerda e uma doce criatura”: “Pouca gente sabe que ele salvou a vida de Samuel, quando teve tuberculose e desistiu da vida. Malta o internou e cuidou dele”.

“Samuel achava que o Partido tirava a independência do articulista”, lembra Francis. “Não concordo. Malta foi exemplo disso. Para grande irritação minha, ele começou a elogiar Jânio Quadros em 1960. Nós todos éramos pró-Lott. Toda a esquerda. Mas Malta se encantou com alguns discursos de Jânio no Nordeste. Era um homem aberto as ideias.”

O primeiro sucesso de Samuel foi ‘Diretrizes’, que teve Malta como braço direito. Era ele quem escrevia os editoriais. Vinte anos depois Samuel soube que o amigo havia sido mandado pelo PCB para controlar o jornal-revista, mas a “miopia política” de Samuel tinha “causas facilmente identificáveis”: “Eu estava deslumbrado com a constatação de que tivera acesso ao clube dos intelectuais de esquerda. Subitamente, surpreendera-me amigo de intelectuais como Jorge Amado, Zé Lins, Graciliano, Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida, Érico Veríssimo. Sentia-me honradíssimo por tantos privilégios. Ter a companhia de Octavio Malta assim era um motivo de orgulho suficientemente poderoso para fechar-me a vista a certas evidências. Malta era uma figura extraordinária, sempre seríamos amigos”.

Depois veio ‘Ultima Hora’, e de novo Malta estava à frente: “Ele era meu braço direito, meu velho companheiro, a quem vinha fazendo sucessivas consultas desde a conversa com Getulio em Petrópolis”.

Samuel, ainda nas memórias, comemora o sucesso de UH: “Os editoriais redigidos por Octavio Malta – eu ainda não me sentia suficientemente seguro para escrevê-los – tinham peso crescente”.

Além de ser o redator-chefe do jornal, Malta durante duas décadas assinou a coluna ‘Jornais e Problemas’, a primeira do País a comentar a imprensa diária. Em Machado de Assis ele encontrou a inspiração para a coluna e diariamente repetia o mote que conheceu em Quincas Borba – “Não há vinho que embriague como a verdade”.

Ali políticos e barões da imprensa sofreram com sua pena. Mas os que não eram criticados deliciavam-se com seu sarcasmo.

Quando Kennedy foi assassinado e, em seguida, mataram o assassino, Magalhães Júnior assinou um artigo falando da “dupla tragédia americana”.

E Malta perguntava: “Por que dupla tragédia, ó Magalhães? Tragédia em teatro é uma peça de enredo violento e funesto em que figuram personalidades ilustres. Shakespeare escreveu várias tragédias (…) Em Hamlet, ou na História Trágica de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, há vários assassinatos, mas tudo é uma só tragédia. Macbeth é, igualmente, uma tragédia; e não duas, ou mais.

A execução de Carlos I  chama-se “a tragédia da Inglaterra”, como o assassinato de Kennedy pode se chamar de “a tragédia americana”. Mas dupla tragédia é que não é, meu velho Magalhães Júnior. Você é Júnior, mas é velho pra chuchu e devia, sobretudo depois que vestiu o fardão verde da Casa de Machado de Assis, não escrever bobagem”.

Ou então o simplório Ibrahim Sued, que escreveu: “O Senador Afonso Arinos de Melo Franco perdeu mais uma oportunidade de ficar calado”, quando este saudou San Tiago Dantas em um episódio referente a Cuba. E dizia Malta: “Ora, Afonso Arinos é uma dessas criaturas feitas para falar, porque fala sempre bonito. Pois o Ibrahim, logo o Ibrahim, que foi feito para não falar, diz que Arinos perdeu mais uma oportunidade de ficar calado… Não faz pena!” Isso para ficar em dois exemplos menores.

Durante anos seus principais alvos foram Carlos Lacerda e Roberto Marinho. Esses nunca o perdoaram. Em abril de 1964, perseguido pela polícia de Lacerda e pelas tintas de Marinho, Malta foi obrigado a passar alguns meses na clandestinidade, mas sem abandonar a luta. Em UH assinava três dias na semana um artigo com o pseudônimo de Manoel Bispo, e na ‘Folha da Semana’, outro como Luiz da Silva, personagem de Graciliano Ramos em ‘Angústia’, nome sugerido pelo jovem amigo Maurício Azêdo.

Quando Ultima Hora foi vendida, em 1972, Malta não teve mais onde escrever na grande imprensa.

Paulo Francis lembra que “todos respeitavam Malta e o amavam como símbolo de um radicalismo que hoje me parece atenuado ou reduzido a demagogia no Brasil”: “ Ele não queria nada para ele. Cuidava da família e vivia do salário de redator. A última vez que o vi, acho que em um café da Rio Branco, em 1969, perguntei a ele o que me dizia da nossa situação. ‘Não me vendi’. É a resposta”.

Octavio Malta, autor do livro “Os Tenentes na Revolução Brasileira”, foi na segunda metade do século XX um dos mais importantes e influentes jornalistas do País. Quando faleceu foi saudado como um dos responsáveis pela remodelação da imprensa do Rio de Janeiro nos anos 50.

E morreu num dia de muita notícia: 25 de abril de 1984, data em que o Congresso enterrou as diretas. Na noite anterior, ele foi para a janela de seu apartamento, no Flamengo, bater panela como a maioria dos brasileiros que queriam votar pra Presidente. Pela manhã, esteve na ABI, onde foi pagar a mensalidade e ficar apto a votar na renovação de um terço do Conselho.

Rubem Braga foi com Oto Lara Resende ao enterro de Malta. Depois lamentou, em artigo, que ambos ficaram à sombra de uma árvore do Cemitério São João Batista, ao invés de fazer como os mais velhos que, enfrentando o calor forte e uma enorme escadaria, foram até à beira da sepultura, como foi o caso de Barbosa Lima Sobrinho e Luís Carlos Prestes. E ainda saíram dali, por volta das 5 da tarde, para subir em um palanque armado na Cinelândia, onde se realizava o último comício pró-diretas.

No caixão, Malta certamente se deliciou com o gesto. Ele sabia muito bem que a luta devia continuar.

 

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