O Globo: Por que o país não cresce? Entenda como a engrenagem do PIB parou  

Economia voltou a ficar no vermelho no 1º trimestre deste ano, com queda de 0,2%.
Foto: Senai
Foto: Senai

Economia voltou a ficar no vermelho no 1º trimestre deste ano, com queda de 0,2%

Luciana Rodrigues, Daiane Costa e Gabriel Martins

RIO – Depois de dois anos seguidos em expansão, a economia brasileira voltou a ficar no terreno negativo no primeiro trimestre. O IBGEinformou nesta quinta-feira que oProduto Interno Bruto ( PIB , conjunto de bens e serviços produzidos no país) recuou 0,2% entre janeiro e março .

A queda do PIB, depois de um período de fraco crescimento — a economia cresceu só 1,1% em 2017 e repetiu essa baixa expansão em 2018 — já leva alguns economistas a avaliarem que o país vive um quadro contínuo de estagnação e outros a não descartarem sequer o risco de o Brasil cair numa depressão .

Indicador síntese da atividade econômica, o PIB reflete a falta de ânimo de consumidores e empresários e a crise fiscal do governo. Entenda, abaixo, como a engrenagem da economia brasileira parou.

CONSUMIDOR
Sérgia Monteiro, de 49 anos, perdeu o emprego como secretária em 2015 e desde então mantém a casa com o dinheiro das encomendas de doces que faz e o salário do filho mais velho, que trabalha com inspeção veicular.

Do ano passado para cá, porém, viu a clientela cair por conta da crise. E precisou cortar despesas e adaptar as compras de mercado para não fechar o mês no vermelho:

— Cheguei a pedir dinheiro emprestado para conseguir pagar as contas. Tive que cancelar o telefone residencial e mudar o pacote da TV a cabo para um mais básico. No mercado, só compro as marcas mais baratas ou que estão em promoção — explica a moradora de Bonsucesso, na Zona Norte do Rio.

No Brasil, a economia é muito dependente do consumo das famílias. Os gastos de 210 milhões brasileiros respondem por mais de dois terços do PIB, com um peso de 64% na geração de renda do país. Ou seja, quando as famílias têm que cortar suas despesas, é muito difícil o país crescer.

Com mais de 13 milhões de brasileiros desempregados e 62,3 milhões de consumidores com contas em atraso, as famílias estão sem fôlego para consumir. Mesmo quem está empregado e sem dívidas é afetado pelo clima econômico ruim e se mantém cauteloso nos gastos.

O índice de confiança dos consumidores brasileiros, que chegou a subir entre outubro de 2018, logo após as eleições, e janeiro deste ano, em meio a uma expectativa de melhora na economia, voltou a cair em fevereiro e há três meses está em queda.

COMÉRCIO
Com os consumidores apertando os cintos, as lojas vendem menos. O comércio viu suas vendas cresceram só 1,3% nos últimos 12 meses.

Na loja de bijuterias Biju Prime, no Centro do Rio, o movimento está bem fraco, segundo Claudio Vaz, gerente do local.

— Desde de 2016, é só ladeira a baixo. Todos os anos as despesas aumentam, por conta dos reajustes, mas as vendas caíram 50%.

Vaz conta que precisou demitir funcionários e tentar reduzir a conta de luz, economizando no ar-condicionado da loja, que fica no centro de comércio popular Saara.

— Não sei onde está o crescimento, até agora estou esperando a melhora no comércio — diz Vaz.

No ano passado, o varejo teve um alívio e chegou a abrir 11 mil lojas pelo país — número pequeno se comparado a um total de 220 mil pontos de venda fechados entre 2014 e 2017.

Mas, este ano, segundo levantamento da confederação do setor, os empresários do comércio voltaram a sofrer com a crise e, de janeiro a março, 39 lojas encerraram suas atividades.

O setor de serviços, que além do comércio engloba atividades como educação, saúde e transportes, tem peso de 73% no PIB e só consegue crescer quando aumenta o consumo dos brasileiros.

INDÚSTRIA
Se o consumidor não gasta e o comércio não vende, a indústria não produz. O setor industrial foi o mais afetado pela crise e cresceu só 0,6% no ano passado.

À frente da fábrica Plastlab, que construiu há 28 anos em Madureira, na Zona Norte do Rio, o empresário Marcelo Oazen já chegou a fabricar 130 toneladas por mês de  plásticos variados. Hoje, sua produção é de 40 toneladas mensais. Os plásticos e derivados são vendidos para hospitais, companhias aéreas e comércio em geral.

No auge, ele chegou a empregar 82 trabalhadores, mas demitiu 22 funcionários.

— Há oito anos, no pico de produção, produzíamos muito para multinacionais que acabaram saindo do país.

A indústria muitas vezes avança puxada pelas exportações, porque não depende só da demanda dos brasileiros para produzir mais. Porém, com a crise na Argentina (principal mercado para as exportações industriais do Brasil) e a guerra comercial, o cenário externo também não está favorável.

A Plastlab, de Madureira, fornecia para multinacionais instaladas no Brasil e que deixaram o país na crise. Este ano, o empresário Marcelo Oazen acredita em alguma recuperação do setor, porque conseguiu novos clientes e, por isso, contratou dois funcionários.

Marcelo Oazen, dono da fábrica de plásticos Plastlab, no Rio, mostra um de seus produtos: empresa teve de cortar funcionários Foto: Marcos Ramos / Agência O GloboMarcelo Oazen, dono da fábrica de plásticos Plastlab, no Rio, mostra um de seus produtos: empresa teve de cortar funcionários Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

Além da indústria de transformação, tem grande peso no Brasil o setor extrativo, principalmente petróleo e minério de ferro.

Mas a produção de petróleo tem crescido a passos lentos. E a extração de minério de ferro deve ser menor do que o previsto este ano com a suspensão das atividades em várias minas da Vale, após a tragédia de Brumadinho.

Com peso cada vez menor no PIB brasileiro, a indústria hoje responde por 21% da geração de riquezas no país, mas é considerada uma atividade chave para a geração de empregos de melhor qualidade e para impulsionar outras atividades, como os serviços.

A falta de perspectiva de que a economia vá reagir impede que os empresários elevem sua produção ou façam novos investimentos para ampliar sua capacidade produtiva. Depois de atingir 99 pontos em fevereiro, a confiança da indústria voltou a cair em maio para o patamar de 97 pontos. Índices abaixo de 100 são considerados pessimismo.

Muitos executivos afirmam que apenas após a aprovação de uma agenda de reformas, como a da Previdência e tributária, a confiança da indústria será restaurada.

GOVERNO
Com os brasileiros gastando menos, o comércio reduzindo as vendas e a indústria pisando no freio, a arrecadação de impostos pelo governo não avança. Em abril, descontando os royalties de petróleo, a arrecadação de tributos federais recuou 0,34%.

E este é apenas um dos problemas fiscais do país, que deve caminhar para ter o sexto déficit consecutivo nas contas públicas este ano.

A previsão é que o rombo em 2019 fique em R$ 132 bilhões e o resultado permaneça no vermelho pelo menos até 2022. Especialistas afirmam que, sem a reforma da Previdência, o quadro levará a um colapso da máquina pública, com o governo ficando sem dinheiro para as despesas mais básicas.

O governo já reduziu drasticamente os investimentos públicos nos últimos anos. Em 2018, foram investidos apenas R$ 27,88 bilhões, ou 0,4% do PIB, o menor patamar em dez anos.

CONSTRUÇÃO CIVIL
O corte nos gastos do governo e a redução nas despesas das famílias afetam em cheio a construção civil. O setor, importante empregador de mão de obra, é um termômetro importante dos investimentos do PIB.

A construção civil reflete tanto os investimentos do governo em obras públicas, como os feitos por indústrias na instalação de novas fábricas ou ampliação de unidades existentes. E também o que é gasto pelas famílias na compra de novas moradias, cifra que é considerada investimento, e não consumo, nas estatísticas do PIB.

Para contornar a crise no setor, a construtora paulistana de alto padrão Vitacon precisou requalificar seus empreendimentos para evitar ter que adiar obras ou cancelar projetos.

— Optamos por produtos com valores unitários mais baratos. Para isso, investimos em metragens menores ou em metros quadrados mais em conta, para atrair o maior número possível de pessoas — explica o CEO da companhia, Alexandre Lafer Frankel.

Em 2018, o setor de construção teve o pior desempenho do PIB, com queda de 2,5%. A taxa de investimento do Brasil está em 15,8%, perto de suas mínimas históricas.

AGROPECUÁRIA
Setor que vem mantendo um bom desempenho, a agropecuária reage muito mais a fatores externos, como maior demanda de alimentos da China, e a condições naturais, como a competitividade elevada do Brasil no segmento e o clima particularmente favorável em alguns dos últimos anos.

Em 2019, a agropecuária tende a apresentar bons resultados novamente. Segundo a mais recente previsão de safra agrícola do IBGE, o Brasil deve produzir 230 milhões de toneladas de grãos este ano, o segundo melhor resultado da série histórica.

Com peso muito pequeno no PIB, de apenas 5%, a agropecuária, quando vai bem não consegue puxar outros setores da economia.  (Colaboraram: Bárbara Nóbrega e David Barbosa, estagiário, sob supervisão de Luciana Rodrigues)

Fonte: IBGE, SPC/CNDL, FGV, CNC

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