O Globo: Na ONU, Damares Alves defende ‘direito à vida desde a concepção’

Em discurso na Comissão de Direitos Humanos, ministra critica regime de Maduro na Venezuela, mas não menciona assassinato de Marielle Franco, prestes a completar um ano.
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Em discurso na Comissão de Direitos Humanos, ministra critica regime de Maduro na Venezuela, mas não menciona assassinato de Marielle Franco, prestes a completar um ano

Valéria Maniero, especial para O Globo

GENEBRA – A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, acaba de discursar na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça. Ela assegurou que se comprometerá com “os mais altos padrões de direitos humanos” e com a “defesa da democracia”. Logo no início de sua fala — que durou mais de 10 minutos, já superando o discurso de Jair Bolsonaro em Davos —, Damares destacou que lutará para garantir os direitos das mulheres, com atenção especial a casos de feminicídio e abuso sexual. Embora não tenha mencionado a palavra “aborto”, a ministra salientou que defenderá o direito de todos “à vida desde a concepção”.

— Defenderemos tenazmente o pleno exercício por todos do direito à vida desde a concepção e à segurança da pessoa, em linha com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, bem como, no âmbito regional, com o Pacto de São Jose da Costa Rica.

A menos de um mês de completar um ano do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), o caso não foi mencionado no discurso da ministra, apesar de ela afirmar que o país segue comprometido com a proteção “dos corajosos defensores de direitos humanos”.

— Com essa preocupação, reforçamos o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, que passou a incluir explicitamente comunicadores sociais e ambientalistas em seu escopo — limitou-se a dizer.

Agradecimento em língua tupi e Libras
Quando falou sobre os povos indígenas, “um tópico particularmente caro e querido”, ela tocou em um assunto polêmico mostrado recentemente pela revista Época: a adoção, sem ter passado por um processo formal, de uma índia.

— Esta Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, há mais de duas décadas, milita em defesa das mulheres e crianças indígenas e é também mãe socioafetiva de uma jovem indígena da etnia kamayurá — disse Damares.

Ao fim de seu discurso, a ministra se despediu em língua indígena e de sinais.

— Como se diz na língua indígena tupi, Kuekatu reté [Obrigada]. E na língua de sinais… — disse ela, fazendo em seguida os gestos que significam, em Libras, “obrigada”.

A ministra também afirmou que um dos focos de sua atuação será o “fortalecimento de vículos familiares”.

— Além disso, redobraremos os esforços para prevenir a mortalidade materna, neonatal e infantil. Buscaremos revigorar o Bolsa Família, por meio de desembolso do 13º benefício, ao mesmo tempo em que realizaremos auditoria para coibir irregularidades e excessos.

Ela citou, ainda, a tragédia de Brumadinho (MG), onde uma barragem da Vale se rompeu e despejou toneladas de rejeitos na cidade. A ministra avaliou que “a ação ou omissão de empresas pode ter consequências concretas sobre os direitos humanos”.

Apelo sobre Venezuela
Damares também clamou para que os países se unam ao Brasil na ajuda à Venezuela e para que reconheçam Juan Guaidó como presidente encarregado do país. Segundo ela, a ação do Brasil não é para intervir no vizinho, mas para oferecer ajuda imediata:

— Não poderia deixar de expressar a preocupação do governo brasileiro com as persistentes e sérias violações de direitos humanos cometidas pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro. O Brasil uniu-se aos esforços do presidente encarregado Juan Guaidó, não para intervir, mas para prover imediata ajuda humanitária ao povo venezuelano. O Brasil apela à comunidade internacional a somar-se ao esforço de libertação da Venezuela, reconhecendo o governo legítimo de Guaidó e exigindo o fim da violência das forças do regime contra sua própria população.

Estreia no palco internacional
Após o discurso de Damares na Comissão de Direitos Humanos da ONU — sua estreia no cenário internacional —, a ministra se reúne com jornalistas brasileiros e estrangeiros.

A programação ainda inclui reuniões com organizações da sociedade civil — mantendo uma tradição do governo brasileiro — e com representantes de diversos setores na segunda e na terça-feira.

Representando a delegação brasileira, a ministra já tem encontro marcado com Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, e com Filippo Grandi, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Ela também vai se reunir com a ministra federal dos Direitos Humanos do Paquistão, Shireen Mazari, e com o secretário executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), Francisco Ribeiro Telles.

Assim como fez o presidente Jair Bolsonaro em janeiro, Damares fará sua estreia internacional na Suíça, mas é esperado que ela tenha mais oportunidades de expressar o que pensa o governo sobre determinadas questões. Quando esteve em Davos, o presidente Jair Bolsonaro cancelou sua entrevista coletiva em cima da hora.

— As reuniões constituem oportunidade para apresentar assuntos prioritários na agenda de direitos humanos do governo brasileiro. Entre os temas, mulheres, crianças e adolescentes, indígenas, pessoas com deficiência, comunidades tradicionais, igualdade racial, juventude, pessoas idosas e família — diz a nota enviada aos jornalistas pela assessoria da ministra.

Ativistas planejam manifestação em frente à ONU
Ativistas do coletivo O Grito, de Genebra, planejam se reunir hoje em frente à ONU, onde a ministra Damares Alves vai discursar. Os manifestantes pretendem levar cartazes com frases referentes ao Brasil e à ministra.

— Estamos planejando fazer uma manifestação, gravar um vídeo e dar um recado. É uma manifestação de alerta. O grupo tem o objetivo de ser uma voz de denúncia ao que vem acontecendo no Brasil (na área de direitos humanos), ser solidário às questões de direitos humanos. É uma forma de resistência internacional — explica Ângela Faria, uma das coordenadoras do grupo formado por brasileiros e brasileiras que moram em Genebra.

O grupo, que fez protesto em Genebra logo após a morte de Marielle Franco, já tem na agenda novo ato contra a morte da vereadora em 14 de março, quando o assassinato completa um ano.

— Essa morte tem que ser esclarecida. No Brasil, morrem vítimas de feminicídio, defensores dos direitos humanos. Todas essas questões serão denunciadas esta semana em relatórios. E nós daremos apoio para que a Justiça seja feita — diz a ativista do grupo, que existe desde 2016.

Para a manifestação deesta segunda-feira, Ângela diz que a ideia é fazer um ato com humor também. Sobre a declaração dada pela ministra de que meninas devem vestir rosa e meninos, azul, ela diz que há problemas muito mais profundos para serem tratados.

— A cor não nos define. Minorias sofrem preconceito e violência no Brasil. É alto o índice de extermínio da juventude negra no Brasil. Há também uma tendência de licença para matar. Esse não é o caminho. Não é armando a população, mas dando condições, acesso à saúde e educação — afirma.

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