Nas entrelinhas: Dragão da inflação contra mito guerreiro

A Guerra da Ucrânia será uma desculpa para medidas que visam segurar os preços, reduzir impostos e mitigar o impacto da inflação no orçamento doméstico, principalmente na cesta básica de alimentos
Inflacion | Arte: Shutterstock/Lightspring
Inflacion | Arte: Shutterstock/Lightspring

Luiz Carlos Azedo/ Nas entrelinhas / Correio Braziliense

Com perdão para o trocadilho — Glauber Rocha que nos perdoe —, o presidente Jair Bolsonaro está convencido de que seu maior adversário nas eleições é a inflação. Os números corroboram esse temor, pois a alta dos preços, principalmente dos combustíveis e dos alimentos, pode levar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à vitória no primeiro turno. O que se discute no governo é a adoção de medidas de contingenciamento dos preços, seja pelo congelamento puro e simples, seja pela via de incentivos fiscais. A nova mudança na direção da Petrobras tem esse objetivo.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), que é considerado uma prévia da inflação oficial do país, está em 0,59% em maio, após ter registrado taxa de 1,73% em abril, somando 12,20% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diante disso, Bolsonaro resolveu demonizar a Petrobras, que seria o grande dragão da inflação. Vestiu a armadura de mito guerreiro e defenestrou mais um presidente da empresa, o terceiro. José Mauro Ferreira Coelho durou 40 dias do cargo, sendo demitido por telefone pelo novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Saschida. Para o seu lugar, Bolsonaro indicou Caio Mario Paes de Andrade, atual secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.

Empreendedor em tecnologia da informação, mercado imobiliário e agronegócio, Caio Mario Paes de Andrade tem formação em comunicação social pela Universidade Paulista, pós-graduação em administração e gestão pela Harvard University e é mestre em administração de empresas pela Duke University. Foi presidente do Serpro até agosto de 2020, quando passou a fazer parte do Ministério da Economia. Mas é um neófito na área de energia e petróleo.

A indicação ainda precisa ser aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobras. Dois presidentes anteriores da empresa, Roberto Castello Branco e Joaquim Silva e Luna, também foram demitidos do cargo. Ambos por causa dos aumentos dos preços dos combustíveis.

A missão de Caio de Andrade é uma cobra de duas cabeças: de um lado, segurar os aumentos dos combustíveis até as eleições (fala-se, inclusive, em congelamento do preço do gás de cozinha e do diesel); de outro, avançar com o projeto de privatização da empresa. Em ambos os casos, será preciso mudar a composição do conselho de administração da estatal e a legislação vigente. A narrativa do governo para fazer essa alteração está começando a ser construída. Como a pandemia foi controlada, graças à vacinação em massa, o pretexto para a mudança seria o impacto da Guerra da Ucrânia nos preços dos combustíveis, fertilizantes e alimentos.

A Guerra da Ucrânia será uma desculpa para outras medidas populistas, que visam manipular preços artificialmente, reduzir impostos e mitigar o impacto da inflação no orçamento doméstico, principalmente da população de baixa renda, que deriva para a oposição. O que parecia improvável, está acontecendo: uma aliança do ministro da Economia, Paulo Guedes, com os políticos do Centrão para segurar a alta de preços e conceder benefícios a empresas e famílias de baixa renda. A entrega da Petrobras, que era controlada pelos militares, à área econômica, com a perspectiva de sua privatização, um sonho de consumo das grandes petroleiras.

Teto de gastos

Como o mercado não é bobo e sabe que qualquer projeto econômico de médio e longo prazos depende das eleições, a primeira reação foi negativa: as ações da Petrobras fecharam em queda de mais de 3% no Ibovespa, principal índice de ações da Bolsa de Valores de São Paulo. Em Nova York, devido à nova troca, as ações amanheceram, ontem, em queda de mais de 11% no pré-mercado. A recuperação e a valorização da Petrobras, que voltou a ser uma empresa muito lucrativa, estão atreladas à política de paridade internacional adotada em 2016, durante o governo Michel Temer.

O ex-presidente Lula endossa as críticas à política de preços da Petrobras, mas manifesta-se contra a privatização da empresa. Ontem, comentando a mudança no comando da empresa, sugeriu que Bolsonaro desvincule os custos dos combustíveis da cotação do dólar: “Ele pode fazer uma reunião com o Conselho Nacional de Política Energética, trazer a Petrobras para a mesa, trazer o conselho da Petrobras e decidir que o preço não será dolarizado, que nós não vamos pagar o preço internacional, nós vamos pagar o preço do custo da gasolina aqui no Brasil”, afirmou.

Lula também atacou a política de teto de gastos, resgatando a velha retórica contra os banqueiros e as elites do país: “Por que aprovaram teto de gastos? Porque os banqueiros são gananciosos. Eles exigiram que o governo garantisse o que eles têm direito de receber e tentaram criar problemas para investimento na Saúde, na Educação, na Ciência e Tecnologia”. Segundo o petista, “o teto de gastos foi uma forma de a elite econômica brasileira e que a elite política fez para evitar que o pobre tivesse aumento dos benefícios, das políticas sociais, da educação e da saúde para garantir que os banqueiros não deixem de receber as coisas que o governo deve para eles”.

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