Murillo Camarotto: A ideologia que cabe no ônibus do Itamaraty

Aversão à ideologia parece esquecida na questão de Israel.
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)

Aversão à ideologia parece esquecida na questão de Israel

Ainda não foi apresentada nenhuma explicação razoável para a troca da embaixada brasileira em Israel, confirmada nesta semana pelo deputado Eduardo Bolsonaro, que tem feito as vezes de enviado especial do futuro governo de seu pai em uma visita a autoridades em Washington.

Talvez essa explicação simplesmente não exista, visto que, mais uma vez, o presidente eleito teve que vir a público para consertar as declarações do “garoto”. Jair Bolsonaro disse ontem que a mudança de Tel Aviv para Jerusalém seria apenas uma possibilidade – reforçada pela confirmação da vinda de Benyamin Netanyahu para a posse, em 1º de janeiro.

Feita com boné na cabeça, a política externa do futuro governo tem como prioridade a defesa dos interesses de quem anda de ônibus, conforme defendeu em artigo recente o próximo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Esse movimento, de acordo com o chanceler, faz parte da tarefa de extirpar o viés ideológico de dentro do Palácio do Itamaraty.

Segundo seu raciocínio, parte da diplomacia nacional ignora a existência e os interesses da “moça que espera o ônibus às 4 da manhã” ou “do rapaz triste que vende panos debaixo do sol”. Fica, no entanto, a pergunta sobre o interesse dessas mesmas pessoas no logradouro da embaixada brasileira na Terra Santa.

A aversão à ideologia – pregada pelo novo chanceler e pelos “garotos” de Bolsonaro – parece esquecida quando o assunto é a delicada questão árabe-israelense. Se há razões não ideológicas para o envolvimento do Brasil nesse conflito, por que elas ainda não foram apresentadas para a população que anda de ônibus?

Bolsonaro passou a campanha citando Israel como exemplo do país que se transformou em potência mesmo diante de grandes adversidades em termos de recursos naturais. Objetivamente, contudo, mencionou somente a tecnologia usada em sistemas de irrigação, que transformou o semiárido israelense em oásis.

Em outra frente, a promessa de mudança da embaixada poderia ser justificada pelo desejo do presidente eleito em fazer um aceno ao eleitorado evangélico, que lhe proporcionou expressiva votação. No caso dos Estados Unidos, o agrado aos religiosos foi a principal explicação para polêmica escolha de Jerusalém.

Por aqui, entretanto, essa justificativa não para em pé. A sede da embaixada brasileira em Israel passa longe das prioridades dos evangélicos. Alguns admitem que gostariam de ver a mudança, mas reconhecem que a esmagadora maioria dos fiéis não está preocupada com o tema.

O que sobra são os potenciais prejuízos. O comércio com os países da Liga Árabe proporcionou ao Brasil um superávit de US$ 8 bilhões no ano passado. As exportações – sobretudo de carne bovina e frango – poderiam ser abaladas caso a embaixada siga mesmo o rumo de Jerusalém.

Certamente, os milhares de trabalhadores dessa cadeia produtiva – muitos dos quais devem andar de ônibus – têm interesse no assunto, mesmo que não estejam acompanhando diariamente as declarações do governo eleito.

Fora da seara econômica, há outros estragos no horizonte. Quais as vantagens para o Brasil em sair de uma posição de neutralidade para, eventualmente, entrar no mapa de extremistas que cometem atentados contra cidadãos inocentes? As justificativas apresentadas até aqui pelo novo governo são precárias.

A boa diplomacia ensina que, independentemente de ideologias, não é recomendável entrar em contenciosos desnecessários. Na linguagem da “moça que espera o ônibus às 4h da manhã” é bobagem entrar em bola dividida quando não há benefícios no horizonte.

No caso em debate, não há. A não ser que Bolsonaro esteja escondendo uma grande parceria estratégica com Israel, com magníficos resultados práticos para a população, a tomada de posição do Brasil no conflito trará apenas desgastes.

No caso americano, o presidente Donald Trump virou nome de praça e de time de futebol em Jerusalém, mas mesmo para esses exemplos não é razoável a comparação com o Brasil. Os Estados Unidos podem ser dar ao luxo de entrar em mais uma polêmica com os árabes ou com os chineses, algo que não está ao nosso alcance.

Jair Bolsonaro venceu as eleições e tem a legitimidade das urnas para implementar o programa que apresentou ao país quando candidato. Fora do palanque, contudo, seu governo deve satisfações a toda a sociedade, e não apenas aos seguidores de redes sociais.

Até o momento, algumas manifestações vindas do novo centro de poder – incluída a questão da embaixada em Israel – parecem ser apenas uma imitação simplória do modus operandi de Trump. Até a postura do presidente americano em entrevistas coletivas já foi replicada por Bolsonaro, que recentemente ignorou uma pergunta e pediu pela próxima, após ser confrontado com um questionamento vindo de um determinado veículo de comunicação.

Assessora “sênior” do pai, a ex-modelo Ivanka Trump foi a responsável pelo descerramento do pano que marcou a inauguração da embaixada americana em Jerusalém, em maio. Não é difícil imaginar algo parecido com Eduardo Bolsonaro, que já é chamado ironicamente nos bastidores do Itamaraty como “o chanceler de fato”.

Herdeiros
Assim como na política externa, os filhos do presidente eleito também influenciam o tabuleiro no front interno. Ao chegar para uma reunião no gabinete de transição, anteontem, Flávio Bolsonaro disse aos jornalistas que não será “um senador comum”. Ele foi questionado se a presença de herdeiros do presidente nas duas casas do Congresso não poderia esvaziar o papel das principais lideranças do Parlamento.

Em 2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu em defesa de José Sarney, que estava sob uma chuva de denúncias relacionadas à criação de cargos e nomeação de parentes por meio de atos secretos. Na ocasião, o petista disse que Sarney “não podia ser tratado como pessoa comum”.

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