Mudanças climáticas: Estudo apontará possível soluções e políticas públicas

O próximo relatório do IPCC, formado por cientistas independentes de todo o mundo, indicará possíveis soluções para o enfrentamento das mudanças climáticas. Texto também traçará o cenário das políticas de mitigação adotadas até agora
Foto: DW Brasil/Reuters
Foto: DW Brasil/Reuters

Paloma Oliveto / Correio Braziliense

cenário climático nunca foi pintado com cores tão sombrias. Divulgado na semana passada, o relatório do grupo de trabalho II do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) é o mais assustador até agora, segundo o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres. Se o documento evidencia os impactos negativos do aquecimento global em ecossistemas e, especialmente, na humanidade, o próximo, esperado para abril, vai apontar o que se pode fazer e o que, de fato, o mundo está fazendo para tentar reverter os estragos que vêm se acumulando desde o início da era industrial.

Com o tema da mitigação, o relatório vai mostrar o que se tem feito, em várias frentes, para evitar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Embora o conceito seja simples, colocá-lo em prática não é fácil. As medidas incluem, em especial, a transição do uso de combustíveis fósseis para energias renováveis, acabar com o desmatamento e restaurar sistemas impactados. O principal instrumento para garantir que isso ocorra é o Acordo de Paris, com o qual 195 países se comprometeram em 2015. Porém, mesmo a meta mais ambiciosa — limitar o aquecimento do planeta a 1ºC acima dos níveis pré-industriais até o fim do século — já parece insuficiente, segundo estudos citados pelo IPCC.

Desde o histórico acordo da capital francesa, porém, o monitoramento das emissões mostra resultados decepcionantes. Os últimos sete anos bateram recorde de calor e, em vez de redução, se observou aumento da produção de gases de efeito estufa — em especial, o CO2 e o metano. Este último, que fica mais tempo na atmosfera que o dióxido de carbono, registrou crescimento entre 2020 e 2021, segundo um relatório do Serviço de Monitoramento do Clima da União Europeia, chegando ao dobro do registrado duas décadas antes.

Em novembro, pesquisadores do Projeto Carbono Global divulgaram outro documento mostrando que as emissões de CO2 dos principais setores poluentes — energia e indústria — aumentaram 4,9%, depois de uma queda de 5,4% alcançada em 2020. A redução anterior não parece resultado de políticas de mitigação, mas, provavelmente, está associada ao lockdown devido à pandemia de covid-19, observou o relatório. O Brasil tem apresentado um desempenho ainda mais desfavorável. Enquanto o restante do mundo passou por uma retração das emissões há dois anos, o país registrou uma elevação de 9,5%, puxada, especialmente, pelo aumento do desmatamento.

“O impacto (das emissões) em eventos extremos em muitas partes diferentes do mundo é dramático. Devemos olhar para os eventos recordes de 2021, como a onda de calor no Canadá e as inundações na Alemanha, como um soco na cara para fazer os políticos e o público acordarem para a urgência da emergência climática. Os contínuos aumentos nas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera indicam que as causas subjacentes ainda precisam ser abordadas”, critica Rowan Sutton, do Centro Nacional de Ciência Atmosférica da Universidade de Reading, na Inglaterra. União Europeia, Índia e China puxaram para cima as emissões globais da indústria e dos transportes.

Combustíveis fósseis

Um grande desafio em relação a esses dois setores é que ambos são extremamente dependentes de combustíveis fósseis, os grandes vilões do aquecimento global. Por isso, o Acordo de Paris insiste que as ações mitigatórias, necessariamente, incluam a transição do modelo energético. Houve avanços nesse sentido, mas ainda insuficientes, de acordo com o próprio IPCC. Em agosto passado, António Guterres declarou que, diante da informação de que o mundo estará 1,5°C mais quente em 2030, ou seja, 10 anos antes do esperado, era urgente acabar com as usinas de carvão e com os demais combustíveis fósseis.

Na COP26, a conferência climática da ONU, em dezembro, 77 países assinaram um acordo para eliminação gradual do carvão no setor energético. A queima do mineral responde por 37% da produção mundial de energia. Apesar de o compromisso ter sido considerado um avanço, a não adesão dos principais poluidores — China e EUA — e de importantes mercados consumidores — Austrália, Índia e Chile — limita significativamente a ação mitigatória.

Jeffery Kargel, cientista sênior do Instituto de Pesquisa Planetária de Tucson, no Arizona, se diz pessimista em relação a possíveis avanços na eliminação dos combustíveis fósseis. “A situação geopolítica global e a política interna de muitos países podem não responder à necessidade urgente (de corte de emissões)”, diz. “O acordo final da COP26 fala em uma ‘redução gradual’ da produção e uso de carvão, em vez do que previa o texto preliminar anterior, que pedia uma ‘eliminação gradual’, uma mudança forçada pela Índia. Então, parece que a Índia não vê a mudança climática como uma ameaça existencial”, critica. Kargel lembra que, “provavelmente, não há país que esteja sendo mais afetado pelas mudanças climáticas do que a Índia”, ressaltando o paradoxo da postura do país.

A versão final do próximo relatório do IPCC foi distribuída no fim do ano para os governos, que puderam sugerir alterações no texto, a serem discutidas em uma plenária, em março. “Nossos cientistas trabalharam incansavelmente para entregar esse relatório por meio de uma avaliação robusta de evidências científicas. O relatório informará os formuladores de políticas em todo o mundo sobre os caminhos para soluções e oportunidades disponíveis para enfrentar as mudanças climáticas”, disse Jim Skea, copresidente do Grupo de Trabalho III.

Não prescritivo

O IPCC é o órgão internacional criado para avaliar as evidências científicas relacionadas às mudanças climáticas. Foi instituído em 1988 pela ONU para fornecer aos formuladores de políticas avaliações regulares sobre as alterações do clima, seus impactos e riscos futuros, além de opções de adaptação e mitigação. Embora relevantes para a formulação das políticas, as conclusões do IPCC não são prescritivas: elas não dizem quais ações devem ser tomadas.


Três perguntas para Stela Herschmann, mestre em direito e políticas ambientais pela Duke University, especialista em política climática do Observatório do Clima

 (crédito:  Twitter/Reprodução)

Foto: Twitter/Reprodução

O próximo relatório do IPCC mostrará a tendência de emissões dos países. Pode-se esperar um puxão de orelhas para o Brasil?

O IPCC é um grupo de cientistas, mas o relatório para os tomadores de decisões passa por um debate com os países, tem um componente político na análise. Então, não imagino um puxão de orelha explícito, o Brasil também não deixaria passar uma linguagem nesse sentido. Mas os dados falam por si. Sobre a tendência de emissão dos países, é muito possível que o relatório mostre que o Brasil está na contramão do mundo. Caberá aos tomadores de decisão, aos analistas e à sociedade civil fazer a leitura dos dados e fazer as críticas que, com certeza, não passariam na análise política do IPCC.

O Brasil tem apostado em ações mitigatórias, especialmente em áreas-chave como energia e transporte?

Setores como energia e transporte são realmente chave do ponto de vista do aquecimento global. No mundo, esses dois setores são os principais emissores de efeito estufa, e é preciso promover transformações muito profundas para se conseguir cumprir as metas do Acordo de Paris. Esse não é exatamente o caso do Brasil. As maiores emissões do país estão ligadas a mudanças no uso da terra, que é, basicamente, desmatamento, e muito concentradas na região amazônica e muito aliadas à agropecuária. Juntos, esses dois setores são responsáveis por três quartos das emissões do país. Nos últimos três anos, esse governo conseguiu quebrar todos os recordes de desmatamento e de emissões. Então, a gente tem visto esse aumento, e esses foram os dois setores que puxaram o aumento das emissões nos últimos anos. Mesmo em um contexto de crise, quando o mundo inteiro estava reduzindo por causa da covid, a gente aumentou. Em relação a energia e transporte, também não temos visto boas apostas do Brasil. Por exemplo, no fim do ano, foi aprovada uma lei que renovou o uso de energia do carvão. Temos visto retrocessos nesses setores.

Os líderes mundiais estão prestando atenção nas mensagens do IPCC?

O que a gente viu é que o alarme foi dado. Os cientistas já classificaram esse alarme como código vermelho para a humanidade, não dá para ser mais claro do que isso. Os impactos já são muito fortes, e, mesmo que a gente parasse de emitir, hoje, já temos, por conta das emissões anteriores, impactos que levarão séculos para serem revertidos. Está muito clara a mensagem dos cientistas, inclusive de que o caminho que a humanidade está adotando não é suficiente. Tanto que, no relatório do Grupo I, dos cinco cenários apresentados, em só um a gente passava de 1,5°C e conseguia retornar. O alerta está dado. Os políticos e líderes mundiais estão cada vez mais debatendo esse assunto em fóruns econômicos, em outros locais além da convenção sobre clima da ONU. Mas, claramente, eles ainda não se deram conta da urgência que os cientistas estão sinalizando para conduzir as mudanças que precisam ser feitas.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2022/03/4990094-mudancas-climaticas-estudo-apontara-possivel-solucoes-e-politicas-publicas.html

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