Monica de Bolle: Uma aliança desorientada pelo Brasil

O partido de Bolsonaro já nasce desorientado não apenas por não ter qualquer articulação clara de ideias ou agendas, como também pelo logotipo que escolheu.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

O partido de Bolsonaro já nasce desorientado não apenas por não ter qualquer articulação clara de ideias ou agendas, como também pelo logotipo que escolheu

Confesso que tive certa dificuldade para intitular este artigo, pois não sei quem está mais desorientado: a aliança que Bolsonaro pretende criar ou o país que ele tenta liderar. A ideia, de todo modo, nasceu do logotipo do novo partido, Aliança pelo Brasil. Embora ele tente retratar uma aliança em verde e amarelo — aliança no sentido de anel de dedo —, creio que, inadvertidamente, os responsáveis pela criação do logotipo tenham esbarrado em um objeto matemático curioso. O logotipo da Aliança pelo Brasil, para quem não viu, é um círculo retorcido que causa espécie de ilusão de ótica — como se passa do lado verde para o lado amarelo? Eis aí o primeiro problema: o símbolo escolhido pelos artistas gráficos é um objeto matemático que tem duas dimensões, mas apenas um lado.

Como pode? Peço aos leitores a paciência de fazer deste um artigo interativo. Peguem, por favor, uma folha de papel. Pode ser de qualquer cor, mas sugiro uma folha branca. Cortem uma tira de mais ou menos dois centímetros de largura. Com a tira em mãos, façam uma meia torção — reparem, só uma meia torção, isso é muito importante. Feita a meia torção, colem os dois extremos da tira um no outro. Se as instruções foram seguidas corretamente, vocês agora terão em mãos objeto conhecido como a fita de Möbius — Möbius é August Ferdinand Möbius, o matemático e astrônomo que a inventou em 1858. Reparem: embora o pedaço de papel que utilizaram para fazer a fita tivesse dois lados, o objeto fabricado tem apenas um. Não acreditam? Então tentem desenhar uma linha dos dois lados da fita sem retirar o lápis ou a caneta do papel. Impossível, certo?

Caso tenham tido alguma dificuldade com a tarefa proposta ou simplesmente lhes tenha faltado a paciência, há outra forma de constatar que a fita de Möbius tem apenas um lado sendo um objeto bidimensional. Deem uma olhada na gravura de M.C. Escher, aquela das formigas vermelhas caminhado sobre algo que parece uma grade no formato do infinito — a gravura sobre a qual me refiro chama-se Möbius Strip II . As formigas andam, andam, mas não saem do mesmo lado jamais. É irresistível pensar nos membros do novo partido de Bolsonaro como essas formigas: todos haverão de ter um lado só. Como é o Brasil hoje, país de um lado só, pois, se você pertence a um deles, o outro não existe, tamanho o desprezo que você sente por ele.

Há outra curiosidade sobre a fita de Möbius que inevitavelmente nos leva ao partido de Bolsonaro: ela é “não orientável”. Na matemática, ser “não orientável” significa que o objeto carece de direção vetorial — vejam as formigas: independentemente da “direção” que elas tomem sobre a fita, estarão sempre de um lado só e sempre cruzarão o ponto de partida. Na política, ser “não orientável” significa não ter capacidade para se orientar, ou seja, é ser desorientado. Portanto, ao que parece, o partido de Bolsonaro já nasce desorientado não apenas por não ter qualquer articulação clara de ideias ou agendas, tal qual o próprio presidente, como também pelo logotipo que escolheu. Pelo visto, inconscientemente.

Claramente, o multipartidarismo e a fragmentação têm frustrado as expectativas da sociedade brasileira, levando a uma perigosa descrença em relação à política. Que tal descrença hoje esteja generalizada mundo afora não é motivo para que não tratemos dela refletindo sobre os motivos que levam as pessoas a se ater mais à personalidade de determinados políticos do que aos partidos e às propostas que eles deveriam representar. Sem essas reflexões e alguma ideia para uma solução, permanecerão os brasileiros também como as formigas de Escher: caminhando unilateralmente sobre uma fita de Möbius sem chegar a lugar algum.

Creio que a disposição para tanto esteja próxima do esgotamento, a julgar pelo que está acontecendo no resto da América Latina. Afinal, se o Chile está em convulsão mesmo com uma economia que cresce em ritmo razoável, o que dizer do absurdo desempenho da economia brasileira, que todos teimam em chamar de recuperação? Recuperação com 11,8% de desempregados e um monte de subempregados? Recuperação com um governo que inventa medidas em nome da criação de empregos sugerindo tributar os benefícios daqueles que estão justamente desempregados?

Ao que parece, Paulo Guedes nem precisava conhecer o logotipo do partido de Bolsonaro. Já encontrara a fita de Möbius sem precisar recorrer a qualquer artista gráfico. Só há um lado em sua agenda, só há uma borda em suas propostas. Pouco importa o tamanho das dimensões, tampouco as dimensões do tamanho.

*Monica de Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics

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