Míriam Leitão:Sinais exteriores nada animadores

Comércio externo não manda sinais animadores para a recuperação este ano. Crise na Argentina está afetando as vendas de produtos industriais.
Foto: Agência Brasil
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Comércio externo não manda sinais animadores para a recuperação este ano. Crise na Argentina está afetando as vendas de produtos industriais

O Brasil terá um saldo forte na balança comercial, mas os números deste começo de 2019 mostram alguns dos desafios que o comércio exterior enfrenta. Exportações e importações recuaram no primeiro trimestre. Houve uma queda de 9,8% nas vendas de produtos industriais. Elas foram afetadas pela crise econômica na Argentina, pelas incertezas da guerra comercial entre EUA e China e pela desaceleração global. Cada US$ 1 bilhão a menos de exportação de manufaturas compromete cerca de 50 mil postos de trabalhos qualificados, segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). A volatilidade do dólar atrapalha os investimentos via importação.

Pouco mais de US$ 2 bilhões de produtos industriais já deixaram de ser vendidos para o exterior nos três primeiros meses do ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. O setor automobilístico — que tem uma cadeia longa de fornecedores — é o mais afetado. A exportação de veículos de carga despencou 52%, a de automóveis de passeio caiu 44%, e a venda de autopeças recuou 22%. Isso tudo é efeito da crise argentina. Nossas exportações para o país vizinho caíram quase à metade neste início de ano. A Argentina voltou à recessão e o peso se desvalorizou fortemente em relação ao dólar.

— É um cenário preocupante para a indústria, porque internamente ainda não temos uma recuperação muito forte. As famílias sofrem com o desemprego elevado, o setor público será contracionista, ou seja, vai cortar gastos, e há ociosidade nas fábricas, o que desestimula investimentos. Tudo isso prejudica a melhora que se esperava no setor —afirmou o economista Sílvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, que acompanha o comércio externo.

Segundo balanço da Anfavea, a associação das montadores de veículos, a venda interna de automóveis cresceu 11%, e a de caminhões, 47%. Os números dão a sensação de que tudo vai bem, mas quando se olha para a produção, houve queda de 0,6% nos veículos, redução de empregos e aumento nos estoques. O início de ano não foi o que se esperava em vários setores e por isso o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco espera que o PIB tenha uma pequena contração no período, de 0,1%.

A indústria ajuda a entender esse quadro. Em janeiro, o mercado financeiro projetava crescimento de 2,91% para o PIB industrial de 2019. Na semana passada, o número caiu para 2,11%. A deterioração das expectativas foi muito rápida. No mesmo período, a estimativa para o PIB do país recuou de 2,5% para 1,98%.

O presidente da AEB, José Augusto de Castro, estima que a exportação de manufaturados terá uma queda de 8,4% este ano, o que significa uma perda de receita de US$ 7,2 bilhões. Se esses números se confirmarem, ele teme pelo impacto no mercado de trabalho.

— Se considerar que cada US$ 1 bilhão exportado gera na média 50 mil empregos diretos e indiretos, no atual cenário de desemprego é muito ruim. E são empregos qualificados, ligados à indústria — explicou.

A tragédia de Brumadinho afetou a indústria extrativa, porque a falta de segurança nas barragens obrigou a Vale a suspender a produção em várias de suas minas na Região Sudeste. Como o IBGE mostrou esta semana, houve um tombo recorde desse segmento no mês de fevereiro, com retração de quase 15% na produção, a maior queda da série.

O adiamento e as incertezas em relação à reforma da Previdência têm aumentado a volatilidade do mercado de câmbio. E isso prejudica tanto exportadores quanto importadores. Quem está pensando em importar máquinas e equipamentos, para repor a depreciação em suas fábricas, vê os custos dessas operações serem elevados com a alta do dólar. Quem pretende fechar contratos de exportação fica sem saber qual será a sua rentabilidade e qual é o melhor momento.

Muita gente apostou que a agenda liberal do ministro Paulo Guedes levaria o dólar para próximo de R$ 3,50. Mas o que se viu na última semana foi a cotação voltar à casa de R$ 4,00, para depois cair novamente ao patamar de R$ 3,80.

A recessão que começou em 2014 foi a mais longa da nossa história, a recuperação está sendo a mais lenta. Esse quadro de estagnação torna difícil enfrentar o rombo das contas públicas e o alto desemprego. Para o governo e para a sociedade é fundamental a retomada do crescimento. O comércio exterior não manda sinais animadores.

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