Míriam Leitão: Uma disputa nada trivial no Congresso

Há muito mais em jogo na disputa do comando das duas casas do Congresso do que parece. As diferenças ideológicas entre partidos de centro, ou entre pessoas de um mesmo partido, podem parecer imperceptíveis.
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

Há muito mais em jogo na disputa do comando das duas casas do Congresso do que parece. As diferenças ideológicas entre partidos de centro, ou entre pessoas de um mesmo partido, podem parecer imperceptíveis. Mas, dependendo da escolha feita pelos parlamentares, o país elevará os riscos institucionais que correm na atual administração, ou terá a chance de reduzi-los.

A autonomia do Legislativo é parte fundamental da barreira contra as tendências autoritárias do presidente e de luta contra a sua agenda retrógrada. Não se espera um Congresso que faça oposição ao presidente, mas que ponha limites ao Executivo dentro do necessário e saudável processo de freios e contrapesos.

Bolsonaro, em 2020, no início da pandemia, participou de manifestações que pediam o fechamento do Congresso. Isso deveria ser o suficiente para convencer os partidos de oposição, ou os parlamentares que têm apreço pela democracia, de qualquer partido ou tendência, a ficarem longe de um deputado ou senador que tenha a marca de candidato desse presidente.

Não foi exagero, portanto, que a frente articulada pelo deputado Rodrigo Maia em torno do deputado Baleia Rossi tenha se apresentado com a bandeira da democracia. É disso que se trata. E quem deixou isso claro foi o próprio presidente, com a sua reiterada apologia da ditadura militar que vitimou o Brasil por duas décadas. Hoje o governismo representa também apoio às medidas de desmonte do aparato de proteção institucional das comunidades indígenas, do meio ambiente, da educação e da saúde.

A agenda do presidente Bolsonaro é estranha às necessidades urgentes do país. O Brasil precisa neste momento fortalecer Saúde, Educação e proteção ambiental. O presidente quer excludente de ilicitude para os policiais, a chamada escola sem partido, mineração em terra indígena e armamentismo. Nada mais estrangeiro às necessidades do país. A educação se transformou em uma tarefa mais urgente com a pandemia. A Câmara teve que lutar inúmeras vezes para derrotar as tentativas de tirar dinheiro do Fundeb. Ora eram ideias ruins do Ministério da Economia, ora eram truques do governo para levar dinheiro para instituições privadas.

Alguém pode considerar que, na economia, o candidato do governo teria mais aderência à agenda de reformas. Pode ser o oposto. A reforma econômica mais importante no Congresso é a tributária, e quem levou o projeto que tramitou na Câmara, mesmo diante de todo o desinteresse do governo, foi o deputado Baleia Rossi. Também no projeto econômico o candidato da frente não governista pode ser mais interessante. Diante da queda da sua aprovação, o presidente-candidato pode reagir com o ideário no qual ele acredita: o populismo fiscal.

O argumento do deputado Arthur Lira de que sua eleição daria ao governo um aliado para enfrentar a crise só ficaria de pé se o governo tivesse enfrentado a crise. Ele a agravou quando criou conflitos federativos, fez campanha eleitoral antecipada, provocou aglomerações, submeteu o Ministério da Saúde ao seu obscurantismo e mandonismo, sabotou medidas sanitárias de proteção, espalhou dúvidas sobre a vacina. Bolsonaro demonstrou durante toda a crise de 2020 que ele é impermeável ao conhecimento. Simplesmente não entendeu a natureza da crise, nem quis entender. Sua ação foi deletéria. Dar mais poder a este governo eleva exponencialmente o risco que o país corre em todas as áreas.

No Senado, abre-se uma possibilidade com a candidatura da senadora Simone Tebet. Ela é mulher num país de poder excessivamente masculino. É qualificada. A candidatura dela representaria sem dúvida um avanço, porque a senadora é também uma profunda conhecedora da Constituição, que tem sido tão afrontada nos últimos anos. Entre ela e os senadores homens pré-candidatos, dois deles líderes do governo no Congresso e no Senado, há uma enorme diferença.

Nas duas Casas agora se negocia. É natural que os cargos das mesas e das comissões estejam em disputa, porque isso dará à minoria maior ou menor possibilidade de atuação. O grande cenário, contudo, mostra que há algo muito mais valioso em jogo do que os cargos que o governo tem oferecido em troca de apoio aos candidatos dóceis ao Executivo.

Privacy Preference Center