Míriam Leitão: Sinais do Rio e da capital federal

O afastamento do governador Wilson Witzel, confirmado ontem pela Corte Especial do STJ, terá fortes consequências no cenário nacional.
Foto: Governo do Rio
Foto: Governo do Rio

O afastamento do governador Wilson Witzel, confirmado ontem pela Corte Especial do STJ, terá fortes consequências no cenário nacional. É bom que tenha havido uma decisão colegiada para acabar com o desconforto tão bem expresso no voto minoritário do ministro Napoleão Nunes Filho, diante do fato de que uma decisão monocrática, tomada antes do recebimento da denúncia, tirou o chefe do poder executivo estadual. Não há dúvida de que tudo precisa ser investigado em mais essa tortuosa história do Rio. Os indícios contra Witzel são fortes, mas é preciso entender os efeitos para além das fronteiras estaduais.

Na véspera do dia em que Wilson Witzel foi afastado do governo do Rio, o presidente Jair Bolsonaro entrou no plenário do Superior Tribunal de Justiça ao lado do ministro João Otávio Noronha, que até aquele momento era presidente do tribunal. É o protocolo, já que o presidente estava fisicamente na corte, mas antes de entrar no recinto Bolsonaro teve tempo de uma conversa presencial com o ministro, por quem já declarou ter sentido “amor à primeira vista”. Quem conhece bem a cultura e os códigos de Brasília acredita que Bolsonaro foi dormir naquele dia sabendo o que aconteceria na manhã seguinte no Rio, estado estratégico para neutralizar as muitas investigações de corrupção contra a sua família.

O ministro Benedito Gonçalves já havia assinado sua ordem, apenas não a tornara pública. Naquele dia, a presidência ainda era de Noronha. Revelar o fato ao presidente da República poderia ser apresentado como mais um favor. “Em Brasília, funciona assim: quem faz um favor desses está querendo dizer que pode fazer muitos outros”, diz uma autoridade que viu no movimento mais um ato da campanha de Noronha para o Supremo.

O governador em exercício Cláudio Castro já recebeu o telefonema do senador Flávio Bolsonaro prometendo ajuda na renovação do Regime de Recuperação Fiscal. O problema é que essa renovação deveria seguir critérios técnicos do Ministério da Economia.

A saída de Witzel eleva exponencialmente o controle da família Bolsonaro sobre os poderes do estado onde será decidido o destino de vários integrantes do clã. Como o próprio Bolsonaro disse ao então ministro Sergio Moro: “Você tem 27 superintendências, eu só quero uma.” Ter o controle da PF no Rio é bom, mas melhor ainda é dominar também o Ministério Público estadual e a Polícia Civil. O procurador Marcelo Rocha Monteiro, um dos cotados para comandar o MP, como O GLOBO mostrou, é fã do presidente e da família.

O estado é parte de uma quebra-cabeças nacional e integra o mesmo movimento de enfraquecimento interno das instituições de que falam os autores que mostram a forma atual de matar democracias. Elas morrem de hemorragia interna. E em múltiplos órgãos.

A manobra do presidente em relação à Procuradoria-Geral da República deu supercerto. O procurador Augusto Aras tem sido prestimoso em qualquer tema de interesse do governo. Todos os candidatos ao posto de ministro do STF estão prestando favores a Jair Bolsonaro, dono da caneta que nomeará a pessoa para ocupar a cadeira de Celso de Mello.

O decano ficará de licença médica até o dia 11. Só voltará após a posse de Luiz Fux. Tem feito falta na Segunda Turma onde, sem seu voto, os empates provocam estrago em questões decisivas. Quando Celso de Mello voltar, será muito prestigiado por Fux, que tem por ele sincera admiração, mas serão apenas por uns 50 dias. Celso faz aniversário no dia primeiro de novembro e precisa deixar o cargo dias antes. Se com Fux o STF tem chance de ter uma presidência que não emita tantos sinais ambíguos, sem Celso de Mello, e com um indicado por Bolsonaro, o STF enfrenta mais risco de errar.

Há um efeito a mais da pandemia piorando o ambiente em Brasília. As autoridades dos outros poderes que são simpáticas a Bolsonaro fazem reuniões presenciais. Os que guardam distância, por respeitar o distanciamento social, estão se conectando apenas por canais eletrônicos. Já a conversa olho no olho, a palavra no pé do ouvido só está ocorrendo de um lado, aquele que conspira contra o bom funcionamento das instituições brasileiras. No Brasil de hoje, quem não está preocupado com a democracia está mal informado ou não está lendo bem os sinais.

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