Míriam Leitão: O que pesa sobre a lira turca

Brasil tem vulnerabilidades nas contas públicas, e risco da lira turca é virar uma crise em dominó que afete outros emergentes

Agora é o momento em que as autoridades econômicas vão lembrar que o Brasil não é a Turquia. E não é mesmo, há várias diferenças entre os dois países. A Turquia enfrenta os déficits gêmeos — fiscal e externo — e está sendo hostilizada pelo governo Trump. O Brasil tem uma boa situação externa e uma grande fragilidade fiscal. A questão é que quando há uma crise em país emergente todos os outros recebem olhares de desconfiança. O ideal era não sermos vulneráveis, mas somos.

Desde abril, quando começou este período de aversão a risco que pegou Argentina, Brasil e outros, a Turquia já estava com problemas. O real se desvalorizou, o Banco Central teve que vender dólares e fazer operações de oferta de garantia contra risco cambial. Logo depois a volatilidade foi controlada. Mas com a lira turca a situação continuou piorando. A Turquia tem problemas parecidos com os da Argentina: inflação alta, em torno de 16%, déficit nas contas públicas e uma grande exposição cambial.

O endividamento bruto do governo turco é baixo, de apenas 28% do PIB, segundo o FMI. Mas o problema é a dívida privada extremamente elevada que chega a 170% do PIB. Para se ter uma ideia, segundo a economista Monica de Bolle, diretora de estudos de mercados emergentes da SAIS/Johns Hopkins, nos EUA, as empresas privadas turcas têm US$ 66 bilhões em papéis para rolar nos próximos 12 meses, e os bancos, US$ 76 bilhões. As reservas cambiais turcas, que chegam a US$ 100 bilhões, ficam pequenas diante de um serviço de dívida tão alto e com prazos tão curtos.

— A Turquia precisa desesperadamente de entrada de dólares, e o que está acontecendo é justamente o contrário. A briga com Trump dificulta ainda mais as coisas, porque os EUA têm poder de veto no FMI. O país não tem a quem pedir ajuda, nem ao Fundo. Além disso, nos anos 2000 a Turquia recorreu ao FMI, mas não cumpriu nada do que estava no acordo. Portanto, o histórico não é bom — explica Monica de Bolle, que trabalhava no FMI nesse período.

A Turquia vive também uma profunda crise institucional. O presidente Erdogan fez um plebiscito para aumentar seus próprios poderes e o país se tornar presidencialista. Houve uma tentativa de golpe e a resposta dele foi uma violenta repressão. A prisão de um religioso americano, que está na Turquia, desencadeou a reação dos EUA. Trump incluiu o país na lista suja do comércio. Os turcos já têm déficit comercial com os americanos e agora podem ter parte de suas exportações, principalmente de aço e alumínio, barradas pelas sobretaxas impostas pelo governo Trump.

Mônica de Bolle explica que a crise tem um ingrediente ainda mais delicado que é o conflito com a própria União Europeia. Os países europeus têm todo o interesse em evitar a crise turca porque a entrada de imigrantes se dá pela Turquia. Ou seja, de novo EUA e UE estão com visões diferentes diante de um problema. A Alemanha particularmente tem boas e densas relações com a Turquia.

A política econômica do governo Erdogan, executada pelo próprio genro, nomeado ministro da Fazenda, é de crédito farto para estimular consumo e aumento do gasto público. Soa familiar? Mesmo com a desvalorização da lira turca, o Banco Central não sobe os juros porque Erdogan não deixa. Mas estimular consumo, via crédito, no meio de uma crise cambial, é como jogar gasolina no fogo. Apesar de o país ter crescido forte no ano passado, 7%, o desemprego está em 10%. O quadro é de desajuste e desequilíbrio.

A realidade da Turquia é bem diferente da nossa, mas o Brasil tem seus próprios riscos. O país enfrenta uma eleição de extrema incerteza e está no quinto ano consecutivo de déficit primário com a dívida pública crescendo. A dívida da Turquia é em grande parte junto a bancos europeus e por isso teme-se o contágio de outros países. Nossa dívida é interna, com uma parte muito pequena dolarizada. O Brasil não tem déficit importante em suas contas externas e tem reservas cambiais altas.

A inflação já foi reduzida e os juros caíram fortemente nos últimos dois anos. A Argentina ontem mesmo elevou de 40% para 45% a taxa de juros. Nosso maior desequilíbrio macroeconômico é o fiscal. Mas quando há um ambiente de crise em dominó, os fluxos de capitais se invertem e vão em direção a portos mais seguros. O risco da lira é virar uma crise em dominó.

 

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