Míriam Leitão: O interior das despesas

Primeiro gasto a cortar é o subsídio ao capital. Este ano, em viagens pelo Brasil, encontrei duas vezes inovações resultantes de pesquisas da Universidade Federal de Santa Catarina, uma em energia e outra em tecnologia para a agricultura. Recorri a professores de universidades públicas em questões ambientais, tanto no Nordeste, quanto no Sul, porque eles tinham pesquisas sobre cada um dos biomas. Difícil encontrar isso nas universidades privadas.
Foto: Divulgação/Banco Mundial
Foto: Divulgação/Banco Mundial

Primeiro gasto a cortar é o subsídio ao capital. Este ano, em viagens pelo Brasil, encontrei duas vezes inovações resultantes de pesquisas da Universidade Federal de Santa Catarina, uma em energia e outra em tecnologia para a agricultura. Recorri a professores de universidades públicas em questões ambientais, tanto no Nordeste, quanto no Sul, porque eles tinham pesquisas sobre cada um dos biomas. Difícil encontrar isso nas universidades privadas.

A universidade pública sempre teve mais alunos ricos e da classe média, mas comparar gasto de universidades privadas e públicas por aluno tem uma distorção: no Brasil são as públicas que fazem pesquisa. A pergunta que o Banco Mundial faz, em relatório sobre as despesas federais, é essencial para um país desigual como o nosso: a quem se destina o dinheiro público? Este é o principal mérito do estudo. No caso do ensino superior público, o estudo alerta que 65% dos alunos estão entre os 40% mais ricos. Universidades Federais custam 0,7% do PIB ao ano, e o Banco Mundial propõe reduzir 0,5% do PIB. Evidentemente isso não é realista. A proposta de ampliar o Fies para as públicas não funciona. Este programa de crédito está sendo contido porque cresceu demais. Os alunos de escolas particulares pagam pelo ensino médio e podem pagar pelo ensino superior. Não resolveria o financiamento, mas reduziria a regressividade.

O relatório do Banco Mundial é resultado de uma análise das contas brasileiras pedida pelo governo Dilma. O olhar profundo sobre os números ajuda o país a fazer escolhas em época de escassez. Não exatamente as que foram propostas. Martin Raiser, diretor do Banco Mundial no Brasil, e Antonio Nucifora, economista-chefe, me disseram que esses estudos serão detalhados ao longo de 2018 por áreas específicas. Haverá tempo para novos debates. A reação ideológica ao estudo, como se ainda vivêssemos na era do monitoramento da economia brasileira pelos gêmeos de Bretton Woods, é desatualizada. A aceitação acrítica das propostas do Banco Mundial é igualmente sem sentido.

O ponto alto do estudo é mostrar que o Brasil transferiu, em 2015, 4,5% do PIB para o capital. Isso dá em dinheiro perto de R$ 269 bilhões. Antes do governo do PT, eram 3%. O que era excessivo ficou extravagante. Grande parte desse dinheiro vai para empresas sem exigências de contrapartida e sem transparência. Para que mesmo dar dinheiro para multinacional do setor automobilístico? Por que o governo deu tanto subsídio para um frigorífico comprar outros frigoríficos e se expandir no mundo, enriquecendo uma família rica? Mesmo se não tivesse ocorrido o que sabemos hoje sobre o grupo de Joesley Batista, já seria absurda essa opção preferencial pelos ricos nos aportes de recurso no governo de um partido que se diz de esquerda. Os subsídios ao capital, eis o primeiro ponto a ser atacado. O curioso é que no relatório se coloca “incerto” na avaliação sobre se a redução desses subsídios melhorará a equidade.

O Banco Mundial propõe fundir os programas sociais como BPC, aposentadoria rural e salário-família com o Bolsa Família. E diz que esta proposta aumenta a equidade. Eles constatam que, de todos os programas, o Bolsa Família é o mais eficiente e chega realmente aos mais pobres. Fazer essa fusão melhora os outros ou reduz a qualidade do Bolsa Família? Entre seus méritos está o de ser um benefício com contrapartida, que é o de manter a criança na escola. O programa piorou quando relaxou com essa exigência. Misturar tudo pode tirar esse mérito.

Outra proposta é a de que a pessoa demitida saque primeiro o seu Fundo de Garantia em parcelas mensais e só depois receba o seguro-desemprego. O cálculo do Banco Mundial é que isso diminui em 95% esse gasto. Reduzir tanto assim é, na prática, acabar com o programa. Essa proposta exigiria também controlar ainda mais o acesso do trabalhador ao FGTS. O seguro-desemprego é um direito de apenas parte dos trabalhadores. Os que estão no mercado formal. Ele é desigual porque reflete a desigualdade do mercado de trabalho. Mas acabar com ele não é a resposta.

O Brasil cria e reproduz desigualdades nas escolhas que têm feito nas despesas públicas. Esse é um bom diagnóstico. Mas é preciso cuidado na hora de escolher receitas para enfrentar esse velho mal.

 

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