Míriam Leitão: Guedes x Maia: razões de cada um

Guedes atacou o Congresso para evitar nova desidratação na reforma e Maia reagiu se afastando de um governo ‘usina de crises’.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Guedes atacou o Congresso para evitar nova desidratação na reforma e Maia reagiu se afastando de um governo ‘usina de crises’

O ministro Paulo Guedes ficou dois dias engasgado. Não engoliu a mudança nas regras de transição que favoreceram a elite do funcionalismo, mas o que ele detestou mesmo foi a retirada da capitalização. Tentou ficar em silêncio, mas não se segurou e atacou o Congresso. O deputado Rodrigo Maia tinha que reagir. Ao fazê-lo passou recados estratégicos e uma alfinetada: disse que pode fazer a capitalização, menina dos olhos de Guedes, pelas mãos da oposição. Mais precisamente do PDT.

Guedes acha que ao dar declarações duras conseguiu criar um impedimento a novas desidratações da reforma. Rodrigo Maia, ao responder duramente, se distancia mais do governo, essa “usina de crises”, como definiu. Para o ministro da Economia, a capitalização era o início do seu projeto econômico para o país, mesmo que isso pareça a quem o ouve como muito abstrato. Para o presidente da Câmara dos Deputados, se a capitalização continuasse no projeto, poria tudo a perder.

A discussão da capitalização sempre foi sobre o futuro. Na reforma havia um pedido para que o Congresso autorizasse o governo a apresentar uma proposta. Se autorizasse, o novo regime não precisaria ser por emenda constitucional. Desde o começo dessa tramitação, o ministro da Economia falava mais da capitalização, uma hipótese sem contornos definidos, do que sobre a proposta concreta que apresentara. Isso gerou horas de discussões ociosas, que deveriam estar dedicadas aos novos parâmetros da atual previdência.

Para o ministro, o novo regime permitiria que os trabalhadores passassem a fazer o que os ricos já fazem: capitalizar seus fundos para o futuro. Se isso acontecesse, na visão dele, o país conseguiria democratizar o ato de poupar, criar empregos, aumentar a eficiência dos investimentos e elevar a produtividade do trabalho. Tudo parece resolvido quando ele desenha o futuro com a capitalização.

Na Câmara, no entanto, o que se diz é que o ministro errou desde o começo ao defender o modelo chileno, que está neste momento sendo alterado: não tinha a contribuição patronal e passará a ter. Introduzir esse novo sistema é uma questão muito complexa. As perguntas feitas insistentemente pelos parlamentares nunca foram respondidas, sobre o custo da transição e sobre as bases em que ela será oferecida.

O deputado Mauro Benevides era o economista-chefe da campanha de Ciro Gomes em 2018. Foi o primeiro a falar do sistema de capitalização e enfrentou uma onda de perguntas difíceis sobre o assunto. Minucioso, ele se debruçou e desenhou uma proposta, cuja explicação era árida demais para uma campanha eleitoral. Ontem ela foi providencial para Maia.

— Se a capitalização não está nessa proposta, ela no segundo semestre pode ser aprovada. Até porque os partidos de esquerda têm uma ótima proposta de capitalização, do deputado Mauro Benevides — disse o deputado.

Paulo Guedes acusou o Congresso de ter privilegiado os funcionários do Legislativo que ganharam regras de transição mais suaves para os servidores de antes de 2003. Esse é o grupo que não foi atingido pela reforma do ex-presidente Lula, em 2003. O relatório do deputado Samuel Moreira permitiu que quem tem menos de dez anos para se aposentar, seja no setor público, seja no setor privado, escape da idade mínima de 62 e 65 anos, pagando um pedágio de 100% do que ainda falta para se aposentar hoje. Guedes acha que isso custou R$ 30 bilhões e que, ao ampliar para o regime geral, a conta ficou em R$ 100 bilhões.

— Cederam às corporações e abortaram a Nova Previdência — disse o ministro.

Rodrigo Maia respondeu lembrando as concessões feitas na reforma dos militares, que foi enviada junto com um aumento dos soldos e adicionais. Do ponto de vista líquido, permite uma economia de R$ 10,4 bilhões. Isso é um terço do esforço que os mais pobres fariam se fosse mantida a mudança do BPC.

— O projeto de lei (com a reforma) das Forças Armadas é que pressionou as corporações em cima do Parlamento. Mas criamos a regra de transição porque acreditamos que ela é justa — disse Maia.

O fato é: governo e Legislativo cederam às corporações, mas a proposta ainda permite uma economia de pouco mais de R$ 800 bilhões. O problema é que a tramitação está só começando e outras concessões podem acabar sendo feitas. No Brasil, quem tem mais poder sempre soube se fazer ouvir.

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