Míriam Leitão: A exoneração que desvia o foco

Briga foi criada para tirar o foco de um caso de desvio de fundo eleitoral, acontece na pior hora para a Previdência e tira do governo um aliado íntimo.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Briga foi criada para tirar o foco de um caso de desvio de fundo eleitoral, acontece na pior hora para a Previdência e tira do governo um aliado íntimo

Se o governo estava pensando em atrapalhar a reforma da Previdência, fez tudo certo até agora. Esses dias que precedem a entrega oficial da proposta foram de fratura exposta nas hostes governistas. A escolha desse estilo de exoneração, com humilhação e em câmera lenta, só faz sentido se o objetivo era ampliar ao máximo o tempo da exposição negativa do governo e alimentar a dispersão da base que ainda nem se formou adequadamente. A decisão foi anunciada três dias depois de tomada, com a única explicação de que era “de foro íntimo do presidente”.

A briga Bebianno-Bolsonaros foi em torno de uma espuma e não sobre o centro do problema. Isso foi deliberado. A reportagem da “Folha de S. Paulo” mostrou um caso claro de candidatura laranja. Para não se falar nisso, criou-se outro foco de atenção. A discussão passou a ser sobre se Bebianno havia falado ou não com Bolsonaro, se era mentiroso ou não. Permanece sem explicação o dinheiro enviado para uma candidatura laranja de Pernambuco, pelo PSL. Bebianno era presidente do partido e coordenador da campanha do presidente. Isso é o relevante. E não os maus modos de Carlos Bolsonaro, ou mesmo o fato de ter sido apoiado pelo pai presidente em suas ofensas ao ex-aliado. Desviar a atenção é truque tão velho quanto usar de forma tortuosa dinheiro do fundo eleitoral. A demora da exoneração de Bebianno e as ofertas de prêmios de consolação, que foram de cargo em estatal a embaixada, só aumentaram os indícios de irregularidade.

Uma crise política antes de uma reforma complexa é o pior que existe porque drena forças quando o governo deveria estar fazendo o movimento oposto: acumulando forças. Ao mesmo tempo, informa-se que o presidente e sua família pensam em se mudar para um novo partido, a UDN. E isso antes de se costurar qualquer coisa parecida com unidade dentro do PSL, partido que é capaz de se meter numa discussão pública sobre uma missão à China, ou expor uma disputa de egos, como a que houve entre os deputados Eduardo Bolsonaro e Joyce Hasselmann. O PSL virou o partido de passagem dos Bolsonaros enquanto não se ressuscita a UDN.

No roteiro de como enfraquecer a própria reforma tem também o item conhecido que é o de alterar o projeto para que ele seja mais aceitável. A tramitação normalmente enfraquece qualquer proposta de ajuste fiscal, por isso não se deve desidratá-la antes.

A melhor estratégia teria sido, como disse ontem o economista Marcos Lisboa, neste jornal, aproveitar a reforma apresentada pelo ex-presidente Michel Temer e fazer ajustes. Mas falou mais alto a vaidade de ter uma marca própria. No conteúdo, a reforma Bolsonaro tem caminhos muito parecidos, a mesma idade mínima, diferenças nas regras de transição. Quem está dando os retoques finais no projeto diz que ele será forte ao tratar o regime dos servidores públicos e que retoma algumas das ideias que foram abandonadas durante a tramitação da PEC do governo Temer.

Não adianta ter um bom diagnóstico sobre a necessidade da reforma, como tem a equipe econômica, não adianta ter reunido tão bons profissionais. Tudo isso já aconteceu antes. É preciso ter estratégia para encaminhar a proposta e fazê-la tramitar. A ideia de o presidente ir pessoalmente ao Congresso para entregar a PEC pode apagar um pouco a impressão deixada por suas inúmeras declarações contrárias à reforma e às ideias da sua equipe econômica.

Como faz diante de qualquer crise ou dilema, o presidente Jair Bolsonaro nomeou um general para o Ministério. Até agora, escolheu militares com qualificações para os cargos que exercem, e o general Floriano Peixoto tem também bom currículo. Mas o governo precisará de negociadores políticos. E conta para isso com dois generais, Onyx Lorenzoni e um líder do governo na Câmara que a base não prestigia.

Tudo segue o roteiro de como atrapalhar a própria reforma. O espetáculo da demissão de Bebianno, fritado em público pelo filho do presidente, deixa sequelas, mesmo que o ministro demitido nunca siga o caminho do ex-deputado Roberto Jefferson. O episódio mostrou que o novo governo não é dado a lealdades políticas. E o foro íntimo que demitiu Bebianno não funcionou para o ministro do Turismo, também dono de um laranjal.

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