Míriam Leitão: A educação longe do foco

Foi uma semana difícil, a que termina. Difícil pelo que houve e pelo que não houve. A tragédia de Suzano jogou na cara do país uma emergência para a qual nunca estivemos preparados. O Ministério da Educação passou a semana imerso numa crise entre olavistas e não olavistas, tema totalmente estranho à realidade.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foi uma semana difícil, a que termina. Difícil pelo que houve e pelo que não houve. A tragédia de Suzano jogou na cara do país uma emergência para a qual nunca estivemos preparados. O Ministério da Educação passou a semana imerso numa crise entre olavistas e não olavistas, tema totalmente estranho à realidade. A gestão do ministro Vélez Rodriguez esgotou-se nessa briga intestina e na sua incapacidade de olhar os verdadeiros problemas da área.

O que houve em Suzano não é culpa evidentemente do MEC. A relação entre os dois fatos se dá pela total alienação das autoridades federais, em um país onde a educação deveria ser a prioridade absoluta.

Não é a primeira vez que acontece uma tragédia como a de Suzano, mas ela mostrou que não foram estudados os ataques anteriores a escolas como os de Realengo e da creche de Janaúba, Minas, em que morreu heroicamente a professora Heley de Abreu Silva Batista. Sobre esse assunto que repete os macabros e frequentes atentados em escolas nos Estados Unidos, o país precisa se debruçar para compreender o fenômeno em todos os seus aspectos, em vez de simplificar a rota do entendimento das causas.

Foi equivocada e desconcertante a reação do governo. Nos primeiros momentos, governistas como os senadores Major Olímpio e Flávio Bolsonaro tentaram fortalecer as teses favoráveis ao porte de armas, quando, claramente, essa pauta se enfraquece. Olímpio defendeu que professores se armassem como solução, e Flávio culpou o “malfadado estatuto do desarmamento”. O presidente Bolsonaro demorou seis horas para manifestar uma simples solidariedade às famílias das vítimas, e o ministro só se moveu quando já estava ficando constrangedor seu silêncio e sua alienação.

O problema é complexo e tem sido estudado profundamente em outros países. Há pesquisas internacionais que podem ajudar o Brasil a tentar compreender esses eventos que são muito difíceis de prever. A abordagem terá que ser multidisciplinar, pela multiplicidade de fatores que podem ocasionar tragédias assim. É devastadoramente triste ver adolescentes sendo atacados por dois jovens, um deles menor de idade, no momento em que estavam estudando. Uma das alunas do 3º ano do Ensino Médio, que havia passado a manhã em aulas de sociologia e filosofia, falou a frase síntese: “em um momento a gente estava feliz e, no outro, implorando pra viver.”

O Brasil expõe os adolescentes a riscos excessivos. Este é extremo e não está no nosso radar. Mas há os perigos mais frequentes como os da gravidez precoce, do aliciamento pelo tráfico, da violência, do altíssimo índice de abandono e evasão do ensino médio. Há ainda a dificuldade de as escolas prepararem as crianças e jovens para um mundo que está em transformação vertiginosa.

Apesar da distribuição de tarefas entre os níveis federativos, o Ministério da Educação sempre vai liderar essa política pública no Brasil. E o MEC está à deriva. Basta ver o noticiário da semana. Durante todos os dias o Ministério foi assunto, mas era sobre quem era demitido e a quem o exonerado era ligado. Se era um militar, se era um olavista. Ou os ataques de Olavo de Carvalho ao ministro que indicou para o cargo. Enfim, nada relevante.

Recentemente, o presidente Bolsonaro estimulou os pais a rasgarem cartilhas que traziam desenhos anatômicos do corpo humano com explicações sobre educação sexual. É óbvio que isso é matéria de estudo, ao contrário do que pensa o presidente, numa carolice tardia e incoerente com sua própria história de vida. Não são vestais dos costumes os que nos governam. Os jovens precisam ser protegidos dos riscos de doenças e da gravidez precoce. Ignorar isso é aumentar os perigos a que estão submetidos. É medieval rasgar livros e tentar impedir a preparação de crianças e jovens para a vida sexualmente saudável.

O governo navega em uma realidade paralela correndo atrás da sua agenda de campanha, tolhido por ela e incapaz de reagir diante de emergências, ou de ter foco na pauta real do país. O Brasil precisa urgentemente de um ministro da Educação que conheça os assuntos do setor. É impossível ter esperança de que Vélez Rodriguez vá um dia encontrar a agenda educacional brasileira. Ele continuará prisioneiro das facções que levou para o Ministério.

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