Merval Pereira: “Um dinheirinho”

Na política, nada se cria, tudo se copia. O mensalão mineiro do PSDB se transformou no mensalão nacional do PT, que gerou o petrolão.
Foto: Sergio Moraes/Reuters
Foto: Sergio Moraes/Reuters

Na política, nada se cria, tudo se copia. O mensalão mineiro do PSDB se transformou no mensalão nacional do PT, que gerou o petrolão. Lula juntou os programas sociais que existiam no governo Fernando Henrique e criou o Bolsa-Família, um instrumento social poderoso que se transformou em alavanca eleitoral que aparou sua queda entre a classe média quando os escândalos de corrupção o obrigaram a trocar os eleitores do sul e sudeste pelos do nordeste, que virou um nicho petista por muitos anos.

Agora, Bolsonaro anda atrás de dinheiro para criar o Renda Brasil, um Bolsa-Família alargado, em valor e pessoas. Com o auxílio emergencial de R$ 600,00 durante os primeiros meses de pandemia, Bolsonaro viu sua popularidade crescer, e sentiu o efeito que esse tipo de programa social produz numa massa de eleitores que não votou nele em 2018.

Com o bico calado, mas agindo nos bastidores, Bolsonaro consegue se equilibrar entre seus apoiadores mais radicais, aumentando o poder de investigação da Abin para ter instrumentos de pressão sobre os adversários, e vai entrando no nordeste. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, está mais sintonizado nesse momento com os objetivos do presidente do que seu mentor, o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Originalmente assessor de Guedes na reforma da Previdência, com papel de destaque, Marinho ganhou como prêmio um ministério, e logo se desgarrou de Guedes, juntando a fome com a vontade de comer. Localizou na ânsia do presidente por popularidade no nordeste, e na dos militares por obras de infra-estrutura, um caminho para ganhar poder. Seu comentário na entrevista ao Globo de que nenhuma região é propriedade de um partido tem direção certa.

O equilíbrio fiscal que Paulo Guedes defende a ferro e fogo está claramente ameaçado pela vontade do grupo majoritário no governo que quer que ele arrume “um dinheirinho” – como definiu Flávio Bolsonaro – para obras e ações sociais. Todos bem intencionados, mas é aí que mora o perigo, especialmente quando se antecipou tanto a corrida presidencial de 2022.

O perigo de uma pedalada fiscal foi colocado pelo ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), em recente palestra: “Pedalada fiscal foi a alcunha que se criou para a contabilidade criativa do PT. Ainda estamos por nomear a criatividade a ser usada por este governo para não romper o teto de gastos”.

Ele se referia à pressão do Centrão e dos militares por mais gastos, aproveitando a pandemia e o estado de calamidade para burlar o limite do teto de gastos. O que pode prejudicar a caminhada de Bolsonaro à reeleição são os 21 cheques de Fabrício Queiroz para a primeira-dama Michelle Bolsonaro entre 2011 e 2018, que totalizaram R$ 72 mil.

Além dos problemas do filho Flavio, que não consegue explicar a dança de dinheiro vivo entre suas contas e as de Queiroz, agora a revista digital Crusoé revelou que as investigações do Ministério Público mostram que o montante de dinheiro repassado por Queiroz à primeira-dama vai muito além dos R$ 40 mil que Bolsonaro havia dito que emprestara a seu amigo.

Assim como Flavio Bolsonaro alega que pediu para um amigo PM pagar uma prestação de R$ 16,5 mil de um apartamento porque não queria ir ao banco, também Bolsonaro diz que sua mulher recebia o dinheiro porque ele não tinha tempo para essas coisas.

O presidente não pode ser julgado por um suposto crime que aconteceu anteriormente à sua chegada à presidência da República. Mas pode ser investigado, o que lhe tirará força política e reforçará o poder de barganha do Centrão. Lula usou todos os seus recursos para eleger Dilma em 2010, o país cresceu 7,5% naquele ano, e a economia começou a declinar. Já vimos esse filme antes, e ele não acaba bem.

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