Merval Pereira: Dinheiro vivo

Num mundo em que crescentemente o uso do dinheiro vivo está sendo descartado, justamente para evitar falcatruas como lavagem de verbas de origem ilegal, especialmente no financiamento ao terrorismo e tráfico de drogas, o governo brasileiro anuncia a criação da nota de R$200, 00 na contramão do que aconselham os órgãos internacionais de controle financeiro, e o senador Flavio Bolsonaro banaliza os pagamentos em dinheiro vivo no seu dia a dia, contando versões implausíveis.
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Num mundo em que crescentemente o uso do dinheiro vivo está sendo descartado, justamente para evitar falcatruas como lavagem de verbas de origem ilegal, especialmente no financiamento ao terrorismo e tráfico de drogas, o governo brasileiro anuncia a criação da nota de R$200, 00 na contramão do que aconselham os órgãos internacionais de controle financeiro, e o senador Flavio Bolsonaro banaliza os pagamentos em dinheiro vivo no seu dia a dia, contando versões implausíveis.

O Coaf (Centro de controle de atividades financeiras), órgão governamental encarregado da fiscalização das chamadas movimentações atípicas com o objetivo de combater a corrupção, não foi consultado pelo governo sobre a criação da nova nota, mas sabe-se que no ano passado foi cogitado, por sugestão do órgão, que as notas de R$100,00 fossem suspensas de circulação.

De acordo com o Ministério Público, cerca de 70% do valor pago pelo plano de saúde da família do senador Flávio Bolsonaro, e a escola das filhas, foram quitados em dinheiro vivo. Segundo ele, em entrevista ao Globo, “não há nenhuma ilegalidade” no fato de Fabrício Queiroz ter pago 63 boletos com dinheiro vivo, num total de R$ 108.407,98, pelo plano de saúde. Só que das contas do casal Bolsonaro só saíram R$ 8.965,45 para esse tipo de gasto.

Já a escola das filhas foi paga com 53 boletos quitados com dinheiro vivo, somando R$153.237,65, mas apenas uma parte minoritária desse total saiu da conta dos Bolsonaro. O senador admitiu também que recebe muito dinheiro vivo na sua loja de franquia da Kopenhagen, e alega que se alguém quer pagar em dinheiro, não poderia rejeitar. Cada vez mais pelo mundo, lojas ou estabelecimentos não aceitam pagamentos em dinheiro vivo, justamente para não se meter em confusão, à medida que o combate à corrupção e ao financiamento de terrorismo se intensifica.

Já há países em que a circulação de dinheiro vivo está sendo gradativamente restringida, entre eles os dois mais populosos, Índia e China. Ao contrário do que faz aqui o governo brasileiro, desde 2016 o governo indiano retirou de circulação as duas notas de valor mais alto – 500 e 1000 rúpias – e lançou um programa de economia digital com a previsão de que em 2023 os sistemas móveis de pagamento movimentem US$ 1 trilhão.

Quando visitei a China pela primeira vez, em 2002, estava sendo implantado o pagamento através de cartão de crédito, e em muitas lojas tínhamos que ensinar ao vendedor como usar as maquininhas, como se fossemos muito mais avançados que eles. Hoje, mais de 70% das contas são pagas através do aplicativo do celular nas grandes metrópoles chinesas.

O senador Flavio Bolsonaro não é chegado muito a essas modernidades, mas tem amigos abonados e prestativos. Contou que estava num churrasco, comemorando a vitória nas eleições de 2018, quando se lembrou que uma prestação de um apartamento estava para vencer. Como não tinha o aplicativo do banco, pediu a um amigo PM que festejava com ele que fizesse o depósito de R$ 16,5 mil. Flavio teria devolvido o pagamento em dinheiro vivo.

Livros e homens

A proposta do governo de retirar a isenção de impostos sobre os livros provocou reação nos meios intelectuais do país, e uma nota pública das associações representativas do livro, lideradas pelo Sindicato Nacional do Livro, Câmara Brasileira de Livros e Abrelivros.

A Academia Brasileira de Letras (ABL) também divulgou a seguinte nota oficial:

“A Academia Brasileira de Letras vem expressar sua preocupação com a possibilidade de as editoras de livros virem a ser taxadas pela reforma tributária que está em debate no Congresso Nacional.

A proposta do ministro da Fazenda de acabar com a isenção de impostos sobre livros, taxando as editoras em 12% com o novo imposto, é um claro retrocesso cultural, que se junta a outros neste triste período por que passa o país, agravado pela crise econômica que atingiu em cheio a indústria do livro durante a pandemia.

O mercado editorial brasileiro encolheu 20%, de 2006 a 2019, segundo dados da Câmara Brasileira de Livros (CBL), e diversas livrarias tiveram que fechar as portas. O papel do governo deveria ser incentivar a leitura e a divulgação de livros, não restringir sua circulação com novas taxações.

Não podem faltar homens e livros”.

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