Merval Pereira: Dia D +

O dia D da vacinação no Brasil, anunciado finalmente pelo governo, pode vir a ser D + 1, ou D + 2, vai-se saber, por um problema de logística, que é exatamente a especialidade que fez o General Eduardo Pazuello ser nomeado ministro da Saúde depois que dois médicos foram sacrificados no altar do populismo bolsonariano.
Foto: Tony Winston/MS
Foto: Tony Winston/MS

O dia D da vacinação no Brasil, anunciado finalmente pelo governo, pode vir a ser D + 1, ou D + 2, vai-se saber, por um problema de logística, que é exatamente a especialidade que fez o  General Eduardo Pazuello ser nomeado ministro da Saúde depois que dois médicos foram sacrificados no altar do populismo bolsonariano.

Os adeptos do presidente consideraram sua decisão uma grande sacada, porque, diziam na época, o que era preciso era uma organização logística de apoio aos governos estaduais no combate à COVID-19. Pois o avião da Azul que iria ontem para a Índia para apanhar dois milhões de doses da vacina AstraZenica/ Oxford atrasou um dia porque esqueceram literalmente de combinar, não com os russos, mas com os indianos.

Eles estão começando por lá a vacinação nacional, e não têm tempo para atender os compradores brasileiros. Além do mais, para quem quer começar a vacinação ao mesmo tempo em todo o país, pelo menos sete estados não têm seringas nem agulhas neste momento, o que indica que em uma semana dificilmente estarão equipados.

Até o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski está exigindo que cada estado oficialize o estoque de seringas e agulhas que tem, pois no relatório do ministerio da Saúde, que era para garantir que está tudo sob controle, descobriu essa informação crucial, que pode atrasar a vacinação nacional. Por absoluta inépcia do governo federal, que não assumiu o papel de coordenação que lhe cabia na distribuição dos insumos necessários à vacinação em massa, e também, claro, de governadores que não atentaram para o fato de que sem agulhas e seringas não poderiam vacinar, mesmo que recebessem as doses do governo.

O governo só começou a pensar nesses detalhes logísticos da vacinação recentemente, e ainda não conseguiu comprar agulhas e seringas suficientes. Bolsonaro resolveu revogar a lei da oferta e da procura, e “denunciou” que o preço dos insumos ficou muito caro no fracassado leilão promovido pelo ministério da Saúde, e decidiu que só comprará quando a indústria se adaptar ao seu orçamento. Esse encarecimento só aconteceu, o ministro da Economia Paulo Guedes já deve ter explicado, porque o governo demorou a cuidar do assunto, embora tenha sido alertado seis meses antes para a necessidade de fazer as encomendas, pois a indústria tinha que se preparar para a demanda. Quando foi às compras tardiamente, encontrou os preços mais altos.

De qualquer maneira, marcar a data para o início da vacinação nacional é uma notícia boa, que poderia ter sido dada há muito tempo, não fossem os atrasos por causa da inépcia do governo. O Brasil tem experiência grande em distribuição de vacinas, mas como serão duas doses e alguns estados ainda não estão devidamente equipados, o trabalho pode ficar mais difícil.

Esperamos também pela decisão da ANVISA, que deve anunciar no domingo a liberação do uso emergencial das vacinas do Butantã e da Fiocruz. A ansiedade é tão grande que a reunião dos técnicos da ANVISA  será transmitida pelo canal do órgão no Facebook. Provavelmente não será tão emocionante como uma reunião televisionada do plenário do Supremo, mas como todos nós brasileiros, que já somos técnicos de futebol e juristas, agora estamos fazendo uma especialização em infectologia e nos tornando especialistas em vacinas – a eficácia global da vacina A é maior que a da B, uma imuniza a tantos por cento, outra vai além -, talvez o voto de cada conselheiro da ANVISA seja acompanhado de uma torcida.

A do Butantã ficou no meio de uma grande polêmica sobre sua eficácia, e de uma disputa política entre o presidente Bolsonaro e o governador de São Paulo João Doria, o que fez com que decisões não muito técnicas tivessem sido tomadas, como na suspensão das pesquisas devido a “efeito adverso” da Coronavac que nada tinha a ver com a vacina em si, mas com o voluntário que, tragicamente, se suicidara.

A irresponsabilidade foi tão grande que o próprio Bolsonaro sugeriu que o suicídio poderia ter sido provocado por efeitos colaterais da vacina.  A tragédia que está acontecendo em Manaus é exemplar do descaso do governo, que acredita que a melhor maneira de imunização contra a COVID-19 é todo mundo ser infectado.

Nas redes sociais, bolsonaristas de todos os quilates, até os que têm mandato, comemoraram quando a pressão dos comerciantes fez com que o governo do estado levantasse as proibições. Tratado como “uma vitória do povo”, o fim das restrições levou ao caos atual.

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