Merval Pereira: Amazônia sustentável

Fala de Guedes proporcionou um debate sobre uma política de desenvolvimento que gere renda e preserve a floresta.
Foto: World Economic Forum/Ciaran McCrickard
Foto: World Economic Forum/Ciaran McCrickard

Fala de Guedes proporcionou um debate sobre uma política de desenvolvimento que gere renda e preserve a floresta

A frase do ministro da Economia, Paulo Guedes, justificando, não necessariamente apoiando, o desmatamento da floresta amazônica com a necessidade de alimentar a população que vive na região, cerca de 25 milhões de pessoas, proporcionou um debate sobre uma política de desenvolvimento sustentável da Amazônia que gere renda e preserve a floresta.

Ricardo Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), fez carreira acadêmica na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, da qual tornou-se professor titular em 2001, e Ronaldo Seroa da Motta, professor de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), são especialistas no tema que têm pontos em comuns na visão do problema, e algumas discordâncias sobre a possibilidade de implementação de uma politica econômica sustentável na região.

O principal erro dos que toleram, compactuam ou promovem o desmatamento, diz Abromovay, é não se darem conta de que desmatar a Amazônia não produz nem riqueza, nem bem-estar. “Na verdade, o desmatamento é o mais importante vetor da perenização do atraso e das precárias condições de vida na região”. Ronaldo Seroa da Motta define esse processo como “a lógica do “boom-colapso”: “Desmatamento se vale da mão-de-obra barata, mas não remedia a pobreza”.

Num primeiro momento, diz ele, o acesso fácil aos recursos naturais produz uma explosão de riqueza no município, concentrada nas mãos de poucos, mas que se esgota em poucos anos, deixando para trás terras degradadas e conflitos sociais.

A criminalidade que lidera as operações ilegais, desde a invasão de terras, pistas clandestinas, madeireiras ilegais, destrói não apenas a floresta, mas o sentimento cívico da região.

O professor Ronaldo Seroa da Motta mostra que não há conflito entre produção agropecuária e preservação da floresta. Ele cita que, entre 1975 e 2017, a produção de grãos, que era de 38 milhões de toneladas, cresceu mais de seis vezes, atingindo 236 milhões, enquanto a área plantada apenas dobrou. O número de cabeças de gado bovino no país mais que dobrou nas últimas quatro décadas, enquanto a área de pastagens teve pequeno avanço. Em determinadas regiões houve até redução de terras destinadas ao pasto.

Para Ronaldo Motta, em que pese a ampliação do sistema de comando e controle do desmatamento, é preciso alterar o principal incentivo para conversão da floresta em terras devolutas. Terras devolutas são terras públicas sem destinação pelo Poder Público e, portanto, não havendo registro de propriedade do imóvel em favor do Estado, o terreno pode ser usucapido. Quase metade da área da floresta Amazônica é terra devoluta.

Essa indefinição de direitos de propriedade cria oportunidade de que, com o desmatamento, se criem direitos privados de propriedade da terra. Tal processo seria virtuoso se resultasse em progresso. Mas, não é isso que se observa.

Ricardo Abromovay lançou recentemente um livro intitulado “Amazônia – Por uma economia do conhecimento da natureza”, que o cientista Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe demitido por Bolsonaro, diz que é uma resposta aos críticos da preservação da floresta, que argumentam que o desenvolvimento sustentável, baseado em sua biodiversidade, dificilmente será economicamente viável e é de lenta implantação, não dando resultados dentro do prazo necessário para resgatar economicamente a população amazônica.

O professor Ronaldo Seroa da Motta é dos que acham que mesmo que se amplie a produtividade com assistência técnica, logística e desenvolvimento de cadeias produtivas, essa diferenciação vai gerar vazamento/deslocamento do desmatamento de uma área para a outra. O mesmo ocorreria com os resultados da bioeconomia, ainda mais que nesse caso a apropriação dos benefícios seria ainda mais concentrada no setor industrial e energético.

“Assim sendo, não há como prescindir de pagamentos por serviços ambientais associados à comercialização de créditos de carbono por redução de desmatamento”. A posição brasileira na COP 25 em Madrid parecia indicar que o país estaria disposto a seguir essa opção. Mas, lamenta, desde então nada mais foi discutido ou mencionado. (Amanhã – Projetos econômicos viáveis).

 

 

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