Maria Hermínia Tavares: Poderia ter sido pior, mas a democracia brasileira barrou o populismo

Nada melhor do que nos enxergarmos na moldura maior do que ocorreu em outras partes.
Foto: Isac Nóbrega/PR
Foto: Isac Nóbrega/PR

Nada melhor do que nos enxergarmos na moldura maior do que ocorreu em outras partes

Fim de ano é época de dar sentido ao que aconteceu no período. Perguntar-se, por exemplo, como as instituições democráticas brasileiras se comportaram ao longo desses meses de medo e morte. Para fazê-lo com algum método, nada melhor do que nos enxergarmos na moldura maior do que ocorreu em outras partes. Com a vantajosa circunstância de ter o respaldo de dois estudos recém-publicados por organizações independentes que monitoram o estado da democracia no mundo.

O primeiro, da ONG americana Freedom House, intitula-se “Democracia sob lockdown – o impacto da Covid-19 na luta global pela liberdade”. Baseia-se em entrevistas com especialistas e membros da sociedade civil, realizadas entre janeiro e agosto, em 105 países. A análise conclui que a pandemia exacerbou um tremendo problema: a recessão democrática dos últimos 14 anos.

De acordo com o informe, a democracia se degradou em 80 nações, cujos governos responderam à virose com abuso de poder, silenciamento das vozes críticas, enfraquecimento ou liquidação de instituições cruciais e erosão dos sistemas de rendição de contas pelos governantes. Em nada menos de 59 desses países faltou transparência na maneira como as autoridades informaram o público sobre a Covid-19.

Pior ainda, em 91 deles restringiu-se a liberdade de imprensa. Das 22 eleições marcadas para este ano, sete foram adiadas e quatro tiveram suas regras alteradas. A violência policial relacionada às medidas de restrição aumentou em 59 países. Num em cada quatro, multiplicaram-se as restrições a minorias étnicas e religiosas. O Brasil ficou no grupo daqueles nos quais a praga não debilitou o sistema democrático.

O segundo dos estudos citados é o “Balanço das tendências democráticas na América Latina e Caribe antes e durante a epidemia da Covid-19”, produzido pela organização Idea Internacional.

Embora a meta, o método e algumas das dimensões por ela observadas sejam diferentes, as conclusões se assemelham às da Freedom House. A pandemia aprofundou problemas crônicos das democracias na região. As respostas variaram muito e nem todas agravaram as grandes limitações do sistema político.

Apesar de tudo, graças à reação do Legislativo e do Judiciário, à força da Federação, à autonomia da imprensa e à resistência da sociedade organizada, a democracia brasileira logrou barrar as investidas do populismo de direita instalado no Planalto.

Pode não parecer muito, dada a enormidade dos desafios que o país já enfrentava e que a pandemia agrandou. Foi pior em muitos lugares. Poderia ter sido também aqui.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap

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