Maria Hermínia Tavares: Na Cúpula dos Líderes sobre o Clima, só promessas, nem pensar

Se depender do ex-capitão, os compromissos serão menos palpáveis do que a fumaça das queimadas.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Se depender do ex-capitão, os compromissos serão menos palpáveis do que a fumaça das queimadas

Sob pressão, o governo mudou o discurso. O mesmo mandatário que, em 2019, afirmou ser a questão ambiental de interesse exclusivo de “veganos que só comem vegetais” [sic], escreveu ao homólogo Joe Biden dizendo-se disposto a eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Colaborou na redação o assim chamado ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, unha e carne dos madeireiros que namoram a ilegalidade, com os quais, por sinal, confraternizou logo depois de terem organizado violenta manifestação contra o Ibama.

Em dois anos e tanto de mandato, o negacionista da mudança climática disparou uma enxurrada de medidas que enfraqueceram os organismos e instrumentos de monitoramento, controle e penalização de crimes ambientais. Ibama, Inpe, CNBio, Funai, todos perderam lideranças, quadros e recursos financeiros, enquanto as multas despencaram vertiginosamente.

Estudos mostram que acordos internacionais —de variada natureza— podem ser instrumentos aptos a induzir governos a fazer a coisa certa: sempre e quando logrem impor condições aos participantes, estabelecer mecanismos que estimulem o seu cumprimento e tornem crível a ameaça de punição aos transgressores. Ou seja, quando são capazes de criar os chamados mecanismos de trancamento (lock in), facilitando o respeito aos compromissos negociados e sua defesa diante dos opositores domésticos.

A cláusula democrática na União Europeia é sempre citada como poderoso exemplo de trancamento que ajudou a institucionalizar sistemas livres e competitivos na Espanha, em Portugal e na Grécia, recém-emersos de longas e sangrentas ditaduras.

Perversamente, a adesão a acordos internacionais pode ser uma cortina de fumaça para governos mal-intencionados, piorando o que era já um horror. Há uma década, os cientistas políticos americanos Peter Rosendorff e Peter Hollyer mostraram que as violações de direitos humanos cresciam quando ditadores assinavam pactos multilaterais contra a tortura.

Se depender do ex-capitão, as seis páginas enviadas a Biden e as promessas que fará nesta quinta e sexta serão ainda menos palpáveis do que a fumaça das queimadas. Não é demais lembrar que o agronegócio mais atrasado, os desmatadores ilegais e os invasores de terras indígenas são adeptos do ex-capitão e com ele compartilham as mesmas crenças retrógradas de como lidar com o patrimônio ambiental do país e os povos da floresta.

Deste governo só se pode aceitar —e olhe lá!— compromissos definidos, prazos e metas claras e mensuráveis que possam ser monitoradas pela sociedade e seus representantes políticos.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

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