O jornal registrou com destaque a grande manifestação coletiva da comunidade acadêmica contra o regime militar
“Com 6 mil inscritos, SBPC abre sua reunião”, foi a chamada de primeira página da edição de 6 de julho de 1977 desta Folha, anunciando a 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. O destaque se explica por não ser aquele mais um evento como os que a organização promovia para discutir, com reduzido grupo de iniciados, trabalhos geralmente ininteligíveis para os leigos.
Proibido de se realizar na Universidade Federal do Ceará, o encontro foi transferido para a PUC de São Paulo, onde se tornaria a primeira grande manifestação coletiva de repúdio da comunidade acadêmica ao regime militar, dando assim a partida ao seu engajamento aberto na luta pela democracia.
Durante uma semana, nenhum tema relevante para o país foi esquecido: do acordo nuclear entre o Brasil e a Alemanha, alvo de críticas da Sociedade Brasileira de Física, à desigualdade de renda produzida pela política de arrocho salarial da ditadura; do papel do Estado na economia ao modelo político autoritário; das mudanças demográficas ao surgimento de novos movimentos e demandas sociais. Ao longo desse período, os principais debates foram registrados por este jornal. Podem ser lidos no seu arquivo digital.
Foi um momento importante da década de transição do autoritarismo para a democracia. A ele se seguiram outros como os protestos estudantis, as greves operárias no ABC paulista, pronunciamentos empresariais, as eleições de 1982 e a campanha das Diretas Já. Mas o episódio da SBPC, importante em si mesmo, marcou também a abertura de espaço neste diário para o debate de ideias e para os intelectuais que as vocalizaram. Até então, eram território quase exclusivo da imprensa chamada nanica —em semanários como O Pasquim, Opinião ou Movimento. Abrigados pelos grandes veículos, ganharam outra ressonância. Produziram ideias e valores que iriam desembocar na visão generosa de país plasmada na Constituição Cidadã de 1988 e nas políticas sociais das décadas seguintes.
O restabelecimento do regime de liberdades, depois de 20 anos, foi uma obra tocada a muitas mãos e em diferentes palcos, erguidos na sociedade e na esfera da política. Assim também a defesa do sistema democrático hoje ameaçado pela extrema direita virulenta, cujo mentor, de arminha apontada para o direito à informação sem mordaça, vocifera que “o certo” seria “tirar de circulação” os principais órgãos da imprensa. Eis por que o debate informado e acessível a um público amplo é uma dimensão desse interminável empreendimento coletivo, com acolhida assegurada em um jornal centenário.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.