Maria Cristina Fernandes: Uma resistência que vagueia sem retrovisor

Toalha dos Ferreira Gomes respingou em JK e Lacerda.
Foto: Agência Brasil
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Toalha dos Ferreira Gomes respingou em JK e Lacerda

A desistência do PT em formar uma frente democrática é o reconhecimento, tardio, de que não há líderes a mover o eleitor. Sua necessidade, porém deriva menos da busca de votos do que na reafirmação de resistência à ordem que está por vir. As dificuldades em formá-la sinalizam os percalços políticos futuros de lideranças que vagueiam sem retrovisor.

Os irmãos Ferreira Gomes parecem decididos a disputar com o PT a hegemonia da esquerda. Mas a toalha arremessada respingou nos túmulos de Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek e se depositou sobre os escombros do PSDB.

O líder udenista apoiou o golpe de 1964 na expectativa de que a ordem democrática seria restabelecida no ano seguinte com a manutenção das eleições diretas para presidente da República. O líder do PSD, Juscelino Kubitschek, não apoiou a quartelada, mas tinha expectativas semelhantes e seguiu a orientação partidária na votação do colégio eleitoral que empossou o marechal Castelo Branco no cargo.

JK liderava a disputa presidencial. Foi cassado em junho de 1964, dois meses depois da eleição do marechal. Lacerda vinha em segundo na disputa e aplaudiu a cassação antes de assistir ao cancelamento das eleições de 1965. Articulou com um Juscelino no exílio uma frente de oposição, mas acabou preso com o AI-5.

Cid Gomes não para de se retratar e seu irmão ainda pode desembarcar num palanque eletrônico destinado a evitar a vitória de Jair Bolsonaro. Mas dificilmente reverterá o estrago provocado na campanha de Fernando Haddad pelo vídeo em que o irmão de Ciro Gomes dá como certa a derrota petista. São adeptos de primeira hora do #EleNão, mas custarão a desfazer a percepção de que já deram início à disputa por 2022.

A mesma lógica guiou o PSDB em 2016 ao encabeçar o impeachment de Dilma Rousseff. Os tucanos deram 2018 por garantido, enquanto os instintos de ódio represados foram atraídos por Bolsonaro e cevados na longa noite do governo Michel Temer. A maioria que apoiou a derrubada da ex-presidente recebeu, em retribuição, um governo que aprofundou o desencanto e fez do PSDB um sócio do PT na ascensão do bolsonarismo.

Parece exagero imaginar que 2022 pode perder seu lugar cativo no calendário eleitoral, uma vez que Jair Bolsonaro, se vier a se tornar presidente, não o será por golpe mas pelo voto da maioria. Desde a Alemanha de 1932, porém, sabe-se que governo eleito não é garantia contra tragédias.

À medida em que crescem as chances de vitória do candidato do PSL melhor se conhecem os planos de seu governo. O aumento no número de ministros do Supremo e o desprezo da lista tríplice para a escolha do procurador-geral da República, por exemplo, para ficar apenas naquelas propostas que foram diretamente verbalizadas por Bolsonaro, rimam com o esfacelamento das instituições.

Enfrentará resistências mas também uma grande capacidade de adaptação, como mostrou ontem a decisão do Tribunal de Justiça que reverteu sentença contra o espólio do coronel Alberto Ustra, condenado a indenizar a família do jornalista Luiz Merlino torturado e morto no Doi-Codi.

O congestionamento no mercado da mediação não é garantia de que esta funcionará. Ficou mais difícil contar com o Supremo para distinguir os passos que um eventual governo Bolsonaro vier a dar para além da Constituição desde que o presidente da Corte apressou-se em renomear de “movimento” o último regime de exceção.

É na condição de candidato a mediador que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso resiste ao que chamou de assédio moral de amigos diletos e de pelo menos dois de seus ex-ministros da Justiça, signatários de manifestos pela democracia. Depois de Manuel Castells, ontem foi a vez de Roberto Schwarz. Por Claudio Leal, da Bravo, o crítico mandou o recado: “Pensando em amigos da vida inteira, eu diria que neste momento a neutralidade entre Haddad e Bolsonaro é um erro histórico de grandes proporções”.

Uma vez ameaçado de fuzilamento pelo capitão candidato, o ex-presidente segue incólume ao patrulhamento na toada de pode vir a cumprir um papel igualmente histórico, mas inexistem garantias de que haverá o que mediar. Os descaminhos da frente democrática indicam que a oposição pode vir a lhe dar menos trabalho do que a difusa aliança que o apoia.

O candidato da maioria fez carreira no confronto e terá que contemplar um eleitor que quer menos corrupção e mais segurança com os interesses difusos que cada vez mais o cercam. Não há 46 milhões de eleitores autoritários no Brasil. Votar como anti-petista não transforma o eleitor em inimigo da democracia. Derrotar o PT não bastará, tampouco, para manter o apoio de seu eleitorado.

Um Jair Bolsonaro presidente terá que mostrar resultados na economia que dependem de um Congresso, em grande parte, ainda, nas mãos da Lava-Jato, grande esteio de sua candidatura. Terá que lidar com generais que se arvoram a reescrever a história e ameaçam o licenciamento ambiental, financistas que pretendem concentrar poderes na licitação de obras e economistas que planejam impor ajuste fiscal por decreto. Com seu elevado poder de síntese, seu vice um dia explicou que o caminho mais curto para sair de um enrosco desses é o autogolpe.

Steve Bannon
O pedido do PT para que a Polícia Federal investigue a atuação de Steve Bannon na fábrica de disseminação de notícias falsas no Brasil aconteceu dois meses e meio depois do primeiro encontro público entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o ex-estrategista do presidente americano Donald Trump.

Blindados
Desembarcaram no Porto de Paranaguá, no Paraná, esta semana 96 blindados vindos dos Estados Unidos. São veículos usados no transporte de tropas. Muitas das unidades semelhantes que chegaram ao Brasil, ao longo dos últimos anos, por doação americana, foram destinadas à ocupação de favelas do Rio.

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