Maria Cristina Fernandes: Uma disputa contaminada por 2022

Congresso precisa se diferenciar de JB para sobreviver.
Foto: Adriano Machado/Reuters
Foto: Adriano Machado/Reuters

Congresso precisa se diferenciar de JB para sobreviver

A Câmara dos Deputados terá a disputa mais contaminada pela sucessão presidencial da história. Não porque os pré-candidatos que aí estão venham a atuar na formatação das chapas em disputa. Nem que o quisessem, conseguiriam. A contaminação se dará pela necessidade de preservar o status quo parlamentar, a ser repactuado não apenas com o atual governo como também com aquele que vier a sucedê-lo.

O estado de coisas a ser mantido começou a ser construído cinco anos atrás por dois governos em busca de sobrevivência. Um (Dilma Rousseff) naufragou, o outro (Michel Temer) escapou. Como legado, deixaram as emendas impositivas (R$ 15,4 bilhões em 2020) e os fundos eleitoral e partidário (R$ 3 bilhões) num volume jamais visto. Esses recursos garantem a reprodução dos partidos como máquinas de mediação do poder.

Se em 2020, União, Estados e municípios dispuseram de dinheiro extra para a pandemia, as incertezas para o caixa de 2021 estão refletidas na ausência de uma Lei de Diretrizes Orçamentárias a três semanas do fim do ano. Ganha quem mantiver o que tem. É isso que está em jogo, antes de qualquer nome para 2022, por mais que a condução aloprada do combate à covid-19 do presidente torne premente a busca de alternativas.

A dramaticidade pública da disputa, se dá pelas farpas. Um lado desencava a ficha corrida do candidato que, em resposta, ameaça uma devassa nas contas da gestão que permaneceu mais de quatro anos no poder. Mas o nome real da briga é a liderança para preservar seu quinhão sob o teto de gastos.

Por isso, a disputa não favorece aventureiros ou aqueles que colecionam inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Há muito em jogo e ninguém quer correr riscos com dublês de Eduardo Cunha. O ex-deputado só conseguiu se eleger para comandar a Câmara porque cultivava mais diferenças do que semelhanças com a ex-presidente Dilma Rousseff. Jair Bolsonaro está cada vez mais parecido com o Congresso. Por isso, também, os parlamentares precisam buscar alguém que se diferencie.

Maia manteve-se fiel aos seus princípios liberais, aprovou reformas fiscais (Previdência), sociais (Fundeb) e estruturantes (saneamento) e viabilizou o combate à pandemia com o Orçamento de guerra. Por outro, manteve os espaços conquistados pelos partidos, inclusive o seu.

Nos dois últimos anos, o DEM manteve um inédito domínio de ambas as mesas do Congresso, ocupou as Pastas da Saúde, Casa Civil e Agricultura, além de cargos-chave na execução de políticas públicas como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio São Francisco (Codevasf).

Enfraquecido pela decisão do Supremo, Rodrigo Maia tentará preservar sua condição de interlocutor da pauta reformista, e do palanque presidencial de 2022. Só o fará se for capaz de eleger um aliado. Não é o caso de Arthur Lira. Cabe tudo na relação entre ambos, menos lealdade.

O líder do PP não abre para ninguém. Um velho parlamentar dizia que no Congresso não se joga xadrez, mas dama, jogo em que vence aquele que come as peças do outro. Lira joga com as pretas. Seus aliados ameaçam, por exemplo, intervir no diretório do PP da Paraíba e usar de sua influência no governo para deixar o prefeito eleito de João Pessoa, Cícero Lucena, à míngua se o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), aliado de Maia, resolver se lançar como candidato avulso.

Na miríade de candidatos que aí estão todos se apresentam como mais independentes do bolsonarismo do que Arthur Lira, ainda que usufruam de suas benesses. A vacinação contra a covid-19 é apenas a mais recente das trapalhadas de um governo cuja proximidade tem se tornado cada vez mais tóxica. Depois de anunciar que o PP estaria de portas abertas para a filiação do presidente, os aliados de Lira já dizem abertamente que pretendem mandá-lo pra casa daqui a dois anos.

A julgar pelo primeiro biênio, talvez seja, de fato, o melhor lugar que Jair Bolsonaro possa almejar. A postura, destinada a angariar votos da esquerda, tem enfrentado resistências. No encontro desta semana entre Lira e Paulo Câmara, governador de Pernambuco, capitania do PSB, só havia sete dos 31 parlamentares do partido.

Se o essencial é preservar os espaços do Legislativo num Orçamento que vai se apertar ainda mais, a credencial de parlamentares hoje licenciados para ocupar cargos no Executivo deveria valorizá-los. Só que não. O ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN) é um parlamentar de primeiro mandato que nunca liderou bancada nem sequer relatou matéria na Câmara. É jeitoso, mas prescinde de todos os demais predicados para ocupar o cargo.

O outro ministro cogitado, Tereza Cristina (DEM-MS), da Agricultura, pode até deixar o cargo porque o presidente Jair Bolsonaro precisará recompor seu governo em função da disputa pela Mesa, mas não unifica nem mesmo a bancada ruralista. Resiste a encampar o chororô pela renegociação das dívidas eternas do campo.

Se a Câmara custa a encontrar um nome que ancore com responsabilidade o status quo dos parlamentares, no Senado o jogo é o inverso. Davi Alcolumbre (DEM-AP), senador de primeiro mandato, foi um azarão que construiu sua vitória porque do outro lado estava o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Ele é fruto de uma conjunção de astros hoje inexistente. Eleito graças aos votos da bancada lavajatista, Alcolumbre firmou maioria junto aos tradicionais feudos da Casa traindo os compromissos que firmara e assumindo a condição de despachante de interesses dos senadores junto ao governo.

As infrações da operação e o ocaso do ex-juiz Sergio Moro ofuscaram a bandeira lavajatista. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, porém, a derrota da tese da reeleição nas Mesas do Congresso reavivou as divisões históricas entre garantistas e lavajatistas do Supremo, embora com os sinais trocados. Os coveiros da Lava-Jato não se preocuparam com as garantias das previsões constitucionais.

O que mudou da eleição de Maia e Alcolumbre para cá é que Bolsonaro mostrou a que veio. A imagem do Legislativo só melhorou, ao longo da pandemia, porque a Casa, apesar de sócia ocasional do bolsonarismo, mostrou-se um contraponto aos seus desvarios. Ganha quem mantiver isso aí.

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