Luiz Werneck Vianna: O centro político, a democracia e as reformas

Como sistema de orientação, meus artigos vêm observando a crise que nos assola a partir da nossa experiência na matéria.
Foto: Agência Câmara
Foto: Agência Câmara

Como sistema de orientação, meus artigos vêm observando a crise que nos assola a partir da nossa experiência na matéria

Como sistema de orientação, meus artigos vêm observando a crise que nos assola a partir da nossa experiência na matéria, que ensina a reparar inicialmente a fim de medir seu potencial disruptivo, as ruas e os quartéis como os lugares mais sensíveis para o registro de sua gravidade. Salvo momentos episódicos de pico, as ruas estão vazias e os quartéis, silenciosos, fazendo profissão de fé à ordem constitucional. De forma inédita em nossa História, é da família do campo do Poder Judiciário em associação também inédita com a imprensa – combinação sempre explosiva aqui e alhures – que, faz tempo, provêm as tentativas de desestabilizar a ordem reinante, levando o presidente da República às barras dos tribunais mesmo a poucos meses das eleições gerais, como já é o caso.

Duas das corporações mais influentes na conjuntura presente – a militar e a jurídica –, como seria natural, falam de perspectivas distintas, a do poder a primeira e a segunda, do princípio republicano da moralidade e dos seus valores diante da degradação pública que, nos últimos anos, sofreram nossas instituições políticas, hoje justamente repudiadas pela cidadania. O momento eleitoral pode constituir, se levado a sério, uma oportunidade de ouro para o saneamento, pelo voto, dos partidos e da própria atividade política.

Ambas são animadas por lógicas distintas, mas que podem e devem exercer papéis complementares, tanto para garantir que a competição eleitoral obedeça às vias democráticas quanto para interditar o acesso a candidaturas que, na forma da lei, estejam proscritas.

Se este país se tornou, a partir dos anos 1930, um caso clássico de modernização por cima, conduzindo pela mão do Estado a industrialização, valendo-se de todos os meios para a realização dos seus objetivos, borrando desde aí os limites que devem separar as esferas públicas das privadas, tal modelo se esgotou sob o governo Dilma, que pretendia radicalizá-lo, contra todos os sinais que apontavam para sua exaustão.

Nesse sentido, o processo eleitoral que já vivemos pode ser considerado como um momento quase constituinte, na medida em que deve impor pelo voto uma radical mudança nas relações entre o Estado e a sociedade civil. O movimento de junho de 2013 da juventude anunciou com tintas fortes a profundidade da crise dessa relação, enquanto a devassa nos negócios entre agentes públicos e empresas privadas procedida pela chamada Operação Lava Jato fez o resto, jogando ao chão o que ainda restava dela. Decerto que o momento de uma campanha eleitoral não seria o mais oportuno, pelas paixões que ela suscita, mas, por ora, só contamos com ele.

A seleção das candidaturas e suas alianças devem, portanto, considerar a excepcionalidade deste processo eleitoral. No caso, não se pode deixar de considerar, nesta hora de falta de rumos confiáveis para o nosso futuro, em meio às ruínas em que sobrevivemos, o manifesto Por um polo democrático e reformista, lançado a público por iniciativa de dois parlamentares, o deputado Marcus Pestana e o senador Cristovam Buarque, já subscrito por Fernando Henrique Cardoso, uma extraordinária personagem das que nos sobraram de tempos menos sombrios do que os que agora vivemos, que parece ter saído das páginas dos textos políticos de um Max Weber, pela coragem sóbria, sempre fiel às suas convicções de fundo, defendidas com responsabilidade, que nos afiança os caminhos preconizados nesse bem-vindo manifesto, a rigor, um programa de ação de um novo governo.

Nesse manifesto-programa se conclamam “todas as forças democráticas e reformistas em torno de um projeto nacional que, a um só tempo, dê conta de inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento social e econômico, a partir dos avanços alcançados nos últimos anos, e afaste um horizonte nebuloso de confrontação entre populismos radicais, autoritários e anacrônicos”. O texto continua para afirmar que para o sucesso dessa iniciativa se devem agregar, de forma plural, liberais, democratas, social-democratas, democratas cristãos, socialistas democráticos, numa frente que se empenhe, nesta hora decisiva para a construção do futuro, na realização de um programa de desenvolvimento com mudança social que abra as portas para o moderno no Brasil, pondo fim aos processos de modernização autoritária que levaram o País a um lugar sem saída.

O tempo é curto para que essa iniciativa possa encontrar seu ponto de maturação. É preciso invocar a sabedoria dos nossos maiores, que no passado, do Império à República, como no caso recente da transição do regime militar para o democrático, sempre pela via da negociação souberam encontrar soluções para os nossos impasses políticos e institucionais. Seus adversários são conhecidos e ambos desejam vias de ruptura: à direita, os que desejam uma saída neoliberal clássica – desejo mal escondido de poderosa rede de comunicação; à esquerda, os que visam a uma retomada das vias bolivarianas.

O papel do centro político como estratégico na nossa formação não pode ser ignorado, e para só falar do período republicano, a exemplo de Vargas, que em 1945 fundou o PSD com lideranças tradicionais a fim de respaldar sua obra social reformadora, reeditado em grande estilo por Ulysses Guimarães e Tancredo Neves para abrir caminho à democratização. O manifesto, que ora circula em busca de adesões, segue as pegadas de momentos criativos e fecundos da política brasileira, que nos seus estonteantes ziguezagues nunca perdeu de vista seus compromissos com a obra da civilização singular que fazemos aqui.

Como palavras finais, deve-se mencionar que tal movimento, ao menos in pectore, admita que sua vitória trará consigo um momento de concórdia, reeditando a época do movimento da anistia, que envolva a sociedade, o Congresso e, principalmente, o sistema de Justiça, que pacifique de verdade esta praça de guerra que desgraçadamente nos tornamos.

* Sociólogo, PUC-Rio

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