Luiz Carlos Azedo: Faltou combinar com os russos

Como previu o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, chegamos ao final do ano com 180 mil mortos. Novamente, precisamos do distanciamento social, enquanto não chega a vacina.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Como previu o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, chegamos ao final do ano com 180 mil mortos. Novamente, precisamos do distanciamento social, enquanto não chega a vacina

Tem momentos da política que Brasília descola do Brasil, não a dos candangos que nasceram na cidade e nela ganham o pão com o suor de cada dia, mas aquela que todos conhecem pela arquitetura monumental de Oscar Niemeyer: a da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes. Esta semana foi um desses momentos, com o centro político e administrativo do país completamente descolado da realidade nacional e voltado para a disputa pelo controle do Congresso, embora a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado estejam marcada para 1º. de fevereiro. O drama do país é a segunda onda da pandemia do novo coronavírus.

Cercado de áulicos por sete lados — o oitavo, na Rosa dos Ventos, é a trincheira dos filhos —, Bolsonaro parece aquele Presidente prisioneiro de uma jaula de cristal a que se referia o economista Carlos Mattus, o ex-ministro do Planejamento de Salvador Allende, o caso clássico do líder isolado, prisioneiro da Corte “que controla os acessos à sua importante personalidade”. O presidente sem “vida privada, sempre na vitrine da opinião pública”, com a diferença de que não precisa representar um papel, Bolsonaro aparece ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é: um líder sem empatia, indiferente ao luto dos familiares e amigos das vítimas da pandemia do novo coranavírus, cujo carisma está associado à truculência e ao conservadorismo.

Ontem, quando atingimos a marca dos quase 180 mil mortos e 6,78 milhões de infectados, Bolsonaro anunciou o “finalzinho” da “gripezinha”, ao inaugurar o vão central de uma ponte em Porto Alegre (RS). No mesmo dia, a segunda onda da pandemia do novo coronavírus atingiu 21 estados e o Distrito Federal, pressionando o sistema de saúde pública com uma velocidade muito superior à primeira. Para não desmentir o chefe, os militares que aparelharam o Ministério da Saúde atrasam a divulgação de dados, minimizam a expansão da doença e fazem uma ginástica danada para escamotear o que todo mundo já sabe: não fizeram o dever de casa e a vacinação em massa contra a COVID-19 aqui no Brasil vai atrasar, e muito.

No mundo, a segunda onda atinge com força a Europa, a ponto de a primeira-ministra Angela Merkel fazer um apelo dramático aos alemães, para que façam o isolamento social. Nos Estados Unidos, epicentro da segunda onda, a FDA, agência reguladora norte-americana, aprovou a toque de caixa a utilização da vacina da Pfizer-Biontech, justamente a vacina que havia sido descartada pelo Ministério da Saúde, porque sua logística exigia armazenamento 70º abaixo de zero. Agora, o ministro Eduardo Pazuello, um general de divisão do Exército, supostamente especialista em logística, tenta comprar a vacina que lhe fora oferecida e recusou em agosto passado.

Vacinas
Bolsonaro deu ordens para que o Ministério da Saúde comece a vacinação antes do ano-novo, uma missão quase impossível, porque a vacina da Pfizer não estará disponível. Enquanto o governo federal tenta adquirir uma vacina para chamar de sua, o Instituto Butantan já está produzindo, “24 horas por dia, sete dias na semana”, 1 milhão de doses/dia da CoronaVac. A vacina chinesa foi adquirida pelo governador João Doria (PSDB), que anunciou o início da vacinação em massa em São Paulo para o dia 25 de janeiro, aniversário da capital paulista, fundada por Manoel da Nóbrega, José de Anchieta, João Ramalho e o Cacique Tibiriçá, em 1554, contra a orientação do Bispo Sardinha e da Corte portuguesa.

Desculpe-me o trocadilho, mas Pazuello me lembra o Sargento Tainha. Como nas estórias em quadrinhos do Recruta Zero, erros de conceito costumam levar qualquer estratégia ao desastre. Além do conceito correto, uma estratégia exitosa pressupõe, ainda, um método adequado e um ambiente favorável. A militarização do Ministério da Saúde foi um erro de conceito, não tem a menor chance de dar certo. Os métodos autoritários, centralizadores e sem transparência contribuem ainda mais para o fracasso, além de se somarem ao ambiente desfavorável criado pelo negacionismo do presidente Jair Bolsonaro, tanto na sociedade como na própria estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS).

Como previu o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, chegamos ao final do ano com 180 mil mortos. Como no começo da pandemia, novamente precisamos do distanciamento social e do uso generalizado das máscaras de proteção individual para conter a expansão da pandemia e evitar o colapso dos hospitais, enquanto não chega a vacina. Felizmente, a corrida mundial para fabricá-la está chegando ao final. O conhecimento acumulado no caso da SARS-CoV-1 e a cooperação científica mundial, com destaque para a divulgação, pelos chineses, do sequenciamento genético da SARS-CoV-2, possibilitaram o desenvolvimento de 80 vacinas, que estão sendo testadas em todo o mundo. Apostar apenas numa delas, no caso, a vacina de AstraZeneca-Oxford, como fez Bolsonaro, foi um tiro pela culatra. Custava nada manter a parceria com São Paulo; afinal, quem vai sair na frente mesmo é a Argentina, cujo presidente, Alberto Fernández, comprou a vacina russa Sputinick V e será o primeiro a ser vacinado, antes do Natal, para mostrar que o medicamento é seguro.

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