Luiz Carlos Azedo: A violência à espreita

Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Um breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A Política como Vocação, do sociólogo alemão Max Weber, em 1918, na Universidade de Munique, publicada em livro no ano seguinte, é um clássico da ciência política e obra de referência para os jornalistas, cuja atividade é inseparável da política. Ele dizia que somos uma espécie de “casta de párias” e “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Com razão, afirmava que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte”, sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”.

“A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra apa-rentemente no mesmo pé de igualdade (…). Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders não suporiam facilmente”. Àquela época, as mulheres ainda não eram a maioria na categoria, mas, mesmo assim, mais de 100 anos depois, suas observações são atualíssimas e também servem para elas, principalmente as que estão em começo de carreira.

O tema da violência faz parte da vida dos jornais. Não raro, os jornalistas são as vítimas, como acontece agora no Afeganistão. Nos grotões do nosso país, ainda hoje, segundo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), são constantes as intimidações e os assassinatos de profissionais de imprensa. Na revolução digital, os jornalistas perderam o monopólio da notícia. Não há fato relevante que não seja registrado pelo celular de um cidadão comum. Mesmo assim, somos diariamente desafiados a desnudar a verdade e confrontados por fake news, poderosos instrumentos de luta política contra o Estado democrático. Nessa guerra entre a verdade e as mentiras, os jor- nalistas são a infantaria da democracia, com a missão de desarmar seus inimigos.

Voltemos a Weber. A expressão monopólio da violência (gewaltmonopol des staates) foi cunhada por ele, como atributo do Estado ocidental moderno — ou seja, o uso legítimo da força física dentro de um determinado território em defesa da sociedade. Esse poder de coerção é exercido pelo Estado por meio de seus agentes legítimos. O conceito tem origem hobbesiana, inspirado na figura do Leviatã, o mito fenício relatado no Livro de Jó: um monstro gigantesco, meio dragão, meio crocodilo, que vivia num lago e tinha como missão defender os peixes mais fracos dos peixes mais fortes. O inglês Thomas Hobbes, um dos pais do Estado moderno, fez essa analogia em 1651 (Leviatã), para responder duas questões: como as sociedades foram formadas e como devem ser governadas?

Lei do mais forte
É dele a famosa frase “homini lupus homini” (o homem é o lobo do homem), justamente por sermos egoístas e entrarmos em conflito uns com os outros. Apesar de egoístas, porém, temos racionalidade e “medo da morte violenta”. Para Hobbes, era possível abrir mão da liberdade total e fazer um pacto, o “contrato social”, para sair da vida solitária e selvagem — ou seja, do “estado de natureza” — e viver juntos, sob um poder soberano, no “estado civil” — ou seja, em sociedade. Entretanto, para isso, é preciso um poder que os obrigue a respeitarem o contrato.

O Estado sozinho, absoluto, porém, não resolve o problema. É preciso garantir liberdade e direitos aos cidadãos. É aí que John Stuart Mill, no século XIX, ou seja, dois séculos depois, entra em cena. Em Sobre a Liberdade (1859), Mill resumiu: o Estado deve preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a tirania da maioria. Tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros. Todas as pessoas podem desenvolver de maneira autônoma o seu projeto de vida; a sociedade deve proteger a liberdade de indivíduos se desenvolverem de modo autônomo e, em troca, os seus membros não devem interferir nos direitos legais alheios; os danos que são causados a outras pessoas têm como consequência uma punição proporcional.

Esse breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo no governo Bolsonaro, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos. E à perda do monopólio da violência pelo Estado em razão da venda indiscriminada de armas, da formação de milícias privadas e de falanges políticas armadas, além do engajamento de agentes armados do Estado em disputas políticas.

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