Lucio Rennó: Hiperativismo legislativo da Câmara

Maior autonomia do Congresso avança rapidamente.
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Maior autonomia do Congresso avança rapidamente

O Brasil vivencia um interessante processo de fortalecimento do Legislativo, o que se reflete em números. No primeiro semestre deste ano, nove proposições legislativas, incluindo projetos de lei, propostas de emenda à Constituição e projetos de lei complementar, foram remetidas ao Senado depois de conclusão favorável de sua tramitação na Câmara.

Trata-se de um fenômeno novo. Em igual período da legislatura anterior (de 3 de fevereiro a 30 de junho de 2015), somente uma proposição teve o mesmo destino. Em todas as anteriores, desde a eleita em 1994, nenhuma proposição apresentada na primeira metade do ano foi enviada aos senadores antes do final de junho, após a finalização de sua tramitação na Casa.

Nas legislaturas anteriores, as propostas efetuadas no mesmo intervalo vieram a ser expedidas para o Senado muito tempo depois, ou seja, o número absoluto de proposições que tramitaram com sucesso neste ano na Câmara indica também prazo recorde de processamento.

Proposições, normalmente, levam muito mais meses até sua aprovação —e todas as aprovadas são de autoria de deputados e deputadas ou da própria Casa.

O que explica essa altíssima eficiência legislativa?

As respostas são de duas naturezas: institucional e conjuntural.

Institucionalmente, o país mudou nos últimos anos. Foram várias as reformas políticas que transformaram a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo, sendo todas na direção de maior autonomia do Congresso e de redução do controle da agenda legislativa pelo Executivo.

As principais alterações envolvem dois importantes recursos de poder do governo para exercer esse controle: emendas orçamentárias e medidas provisórias (MP).

As últimas revisões dessas duas fundamentais ferramentas de administração reduziram a discricionariedade do Executivo.

As primeiras são agora praticamente carimbadas e devem ser pagas, reduzindo a margem de negociação do Executivo.

Já o uso das segundas não impõe custos ao Legislativo, que, se as deixa de analisar, não vê seus trabalhos paralisados como ocorria no passado. Hoje, quem tem que se esforçar para aprovar as MPs é o Executivo, uma vez que, se não houver deliberação, elas perdem validade.

Uma demanda antiga da classe política, a de maior autonomia do Congresso frente ao presidente da República, está em andamento.

No entanto, não houve um enxugamento do quadro partidário brasileiro. Muito pelo contrário: as reformas em vigência até este ano estimularam a criação de novas legendas como alternativa para a migração partidária.

Além disso, mudanças recentes ampliaram a janela de mudança partidária às vésperas das eleições, elevando a incerteza quanto à composição das legendas. Assim, o número efetivo de agremiações no Brasil, que já era o mais alto do mundo, explodiu.

Nossas reformas políticas reduziram a capacidade do Executivo de governar: dilataram o leque de partidos e, consequentemente, a dificuldade de construção de maiorias estáveis, bem como enfraqueceram os poderes do governo para avançar sua agenda legislativa.

Dilma Rousseff (PT) navegou esses mares, assim como ocorre com Jair Bolsonaro (PSL) hoje, diferentemente de seus antecessores. Michel Temer (MDB), um parlamentar experiente, conseguiu reorganizar a coalizão, mas não governou, mergulhado em escândalos.

Conjunturalmente, o atual governo rejeita a construção de coalizões nos moldes do passado e conta com o apoio estável de uma minoria. Dessa forma, sua capacidade de coordenação dos trabalhos legislativos é reduzida e seu controle sobre a agenda da Câmara, menor. Ademais, sua limitada base é inexperiente, dificultando a defesa de seus interesses.

Por outro lado, é importante ter claro que o objetivo do governo no primeiro semestre era a aprovação da reforma da Previdência. A gestão Bolsonaro tem deixado de lado outras questões.

Neste vazio de poder, abriu-se espaço para deputados aprovarem projetos de relevância para lidar com questões de interesse nacional, conforme deixam claro as ementas das propostas remetidas ao Senado.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), por sua vez, vem apoiando a atuação dos parlamentares, ampliando a primazia da Casa.

O Legislativo brasileiro se fortaleceu. Precisa ser acompanhado de perto pelo eleitor. Nunca antes foi tão importante prestar atenção no que nossos representantes fazem.

*Lucio Rennó é professor do Instituto de Ciência Política da UnB, doutor em ciência política pela Universidade de Pittsburgh (EUA) e ex-presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (2015-2018)

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