Jovens de periferias de Brasília usam poesia como protesto em unidade da FAP no Conic

Espaço Arildo Dória passa a ser ocupado para batalha de poesias do Slam DéF todo mês.
Foto: FAP
Foto: FAP

Espaço Arildo Dória passa a ser ocupado para batalha de poesias do Slam DéF todo mês

Cleomar Almeida

A língua portuguesa é usada como grito de protesto. “Não vamos nos calar.” A rima ecoa como símbolo de resistência. “Marielle vive.” As palavras se casam na voz da periferia para desconstruir preconceitos. “Para a polícia, tráfico só existe na favela. Nas mãos do branco, maconha é apenas um baseado.”

Jovens de regiões da periferia de Brasília ocuparam, na noite desta quarta-feira (19), o Espaço Arildo Dória, conjugado com a Biblioteca Salomão Malina. Ambos são administrados pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e ficam no Conic, na área central de Brasília. Eles se encontraram na segunda edição da batalha de poesias, realizado pelo grupo Slam DéF.

“A FAP tem entre seus objetivos trabalhar com cultura e política de forma que vá muito além da política-partidária. Abrir espaço para promover cultura não está fora do nosso escopo”, ressalta o diretor da fundação, Caetano Araújo. “Isto é importante para a cidade e para os grupos que não têm opções de fazer as suas atividades. Por isso, a expectativa é de que o projeto aqui tenha muito sucesso e dure por bastante tempo”, acrescenta ele.

Apesar do tom descontraído, o evento reúne jovens que usam as palavras para protestar por uma sociedade menos desigual, menos injusta e mais solidária. Na voz de poetas e poetisas ainda desconhecidos, a poesia ganha poder. O som sai da garganta em tom de desabafo. As identidades deles e de suas comunidades, como Ceilândia, Santa Maria, Riacho Fundo, revelam dor e ganham vida.

Participantes
Durante a competição, com transmissão ao vivo pela página da FAP no Facebook, os jovens gritam e encenam contra o que eles chamam de problemas já banalizados pela sociedade, mas que ocorrem todos os dias: violência contra mulheres, negros e homossexuais; racismo; machismo; intolerância e discriminação religiosa; violência estatal e policial; e criminalização das drogas e de jovens negro e da periferia.

Um dos participantes da batalha de poesias é o estudante Werick Heslei, 20 anos. Morador de Santa Maria, ele traz a realidade em suas palavras. “É importante que as pessoas ocupem os espaços. Com iniciativas como esta, da FAP, fica mais fácil que várias pessoas de várias quebradas [periferias] se aproximem e criem redes”, afirma ele.

Mãe de Werick, a chefe de cozinha Waldirene da Silva, 42, diz que faz questão de acompanhá-lo sempre que possível. Ela avalia como muito importante a Biblioteca Salomão Malina e o Espaço Arildo Dória serem ocupados pela periferia em eventos como a batalha de poesias. “É uma forma de conscientização e quebra de barreiras e preconceitos. Reúne pessoas com estilos totalmente diferentes”, acentua.

A estudante de Direito Lari Martinez, 21, também participa do programa evento Slam DéF como forma de protesto pela defesa de igualdade de direitos e condições para as mulheres na sociedade. Ela, que também é MC, aproveita a poesia falada para abordar o empoderamento das mulheres no hip hop.

“A sociedade é machista e o movimento hip hop não deixa de reproduzir isso. As minas do hip hop são resistência dentro de um movimento de resistência”, destaca Lari.

Competição
Coordenado pelo procurador de língua portuguesa Will Júnior, o projeto Slam DéF é uma competição de poesia falada. Qualquer pessoa interessada pode participar, sem inscrição prévia. Basta comparecer ao evento com uma poesia de sua própria autoria. A entrada é gratuita.

“A ideia é trabalhar poesia e trazer vida para aos artistas que, muitas vezes, não têm espaço para trazer sua arte. Para esse tipo de arte, esse tipo de proposta, praticamente não tem oportunidade em Brasília”, afirma o coordenador. Na competição, os participantes têm de recitar poesia de, no máximo, três minutos. Os jurados são escolhidos na hora do evento, aleatoriamente, para que o projeto seja mais dinâmico e mais próximo da sociedade.

Além de mostrar o domínio da fala em poesias, os jovens são um retrato de esperança por um mundo que pare de ver periferias como espaços de violência e criminalidade. É expectativa. É força. É luta. É poesia. A periferia existe e vive.

Privacy Preference Center