Josué Pellegrini e Felipe Salto: Gestão fiscal na guerra contra o coronavírus

Além de provocar queda da receita, a crise exigirá forte aumento dos gastos públicos.

Além de provocar queda da receita, a crise exigirá forte aumento dos gastos públicos

O Brasil vive uma guerra contra o coronavírus. O custo fiscal chegará a centenas de bilhões de reais. Cada real utilizado valerá a pena se servir para salvar vidas, preservar empresas e atividades e garantir a subsistência dos milhões de trabalhadores que perderão renda em razão da paralisação da economia.

Dado que os recursos necessários serão bastante vultosos e o País já se encontra em situação fiscal frágil, as decisões a serem tomadas nesse âmbito terão de seguir duas diretrizes principais: 1) alocar os recursos disponíveis de modo a maximizar os resultados no enfrentamento da crise e 2) distribuir o custo da guerra entre diferentes fontes de financiamento.

Em relação ao primeiro item, a principal preocupação é garantir agilidade e efetiva utilização dos recursos. Um conselho no âmbito da União, com participação dos Poderes e boa articulação com os governadores e prefeitos, seria um arranjo conveniente. Todas as grandes decisões relativas à crise passariam por esse núcleo decisório.

Esse conselho contaria, ainda, com um regime extraordinário de funcionamento e uma espécie de orçamento que acompanharia as fontes de financiamento das medidas e o caminho da utilização dos recursos, incluídos os créditos, até a destinação final, necessariamente relacionada ao combate à crise. Com esse arranjo seria possível coordenar as ações, conferir agilidade, acompanhar e fiscalizar o gasto.

Vale registrar que a crise atingiu o Brasil numa situação fiscal particularmente ruim. A meta de déficit primário do governo central para 2020, somada à necessidade de contingenciamento, resulta numa necessidade inicial de financiamento na esfera federal de R$ 150 bilhões a R$ 160 bilhões. Soma-se a esse montante o gasto extra do combate à crise de cerca de R$ 350 bilhões, considerando complementação de renda, correções no Bolsa Família e despesas na área da saúde. Sem contar os créditos a serem concedidos por meio dos bancos públicos.

É preciso levar em conta também os efeitos da forte queda da atividade econômica e de medidas tributárias de ajuda ao setor privado. Várias projeções indicam queda do produto interno bruto (PIB) de 4% ou mais. A isso se soma o forte impacto da crise sobre o preço do barril de petróleo e o tamanho dos royalties e participações especiais. Não é pessimismo exagerado acreditar que a receita possa cair mais de R$ 120 bilhões.

Conjugando os números acima se conclui que a necessidade de financiamento do setor público em 2020 deverá ultrapassar os R$ 600 bilhões. A maior parte dessa necessidade será atendida pelo aumento da dívida pública.

Tal fato remete à segunda diretriz apontada, que é o balanceamento adequado das fontes de financiamento para evitar novos problemas, tão logo o País retorne à normalidade. Dois canais de financiamento complementares, além do endividamento federal, são a redução de ativos e o remanejamento dos gastos públicos.

O resgate antecipado dos créditos do Tesouro no BNDES estará limitado em 2020, se o banco tiver papel importante no enfrentamento da crise, pela concessão de crédito a empresas e entes federados. Já a venda de reservas internacionais será relevante, uma vez que o Banco Central tem usado esse instrumento para controlar a instabilidade da taxa de câmbio.

A venda de reservas permite que o Banco Central reduza dívida (operações compromissadas), o que diminui a dívida bruta e abre espaço para financiar os gastos necessários para mitigar os efeitos da crise.

O espaço para a venda de reservas é dado pelo nível mínimo prudencial, ainda mais na presente crise. Recorrendo à métrica do Fundo Monetário Internacional (FMI), chega-se a um limite de R$ 291,9 bilhões, inclusa uma margem de segurança de 25%. Comparativamente ao nível atual de reservas, de R$ 358,5 bilhões (em 13 de março), a venda até o limite propiciaria US$ 66,6 bilhões em recursos, o equivalente a R$ 333 bilhões, a uma taxa de câmbio de R$ 5.

Outra fonte de financiamento a ser explorada é o remanejamento de despesas, reduzindo as que não dizem respeito à crise, em favor das que atacam diretamente o problema. Contudo não basta ater-se ao remanejamento das despesas discricionárias, pois estas são muito reduzidas, ainda mais com as emendas parlamentares. O ideal seria aprovar com urgência uma autorização temporária para envolver também os gastos obrigatórios.

Uma alternativa próxima a essa seria o uso dos empréstimos compulsórios, previsto na Constituição, de grupos de alta renda. Essa medida e o remanejamento não são contracionistas, pois os recursos liberados serão destinados à mitigação da crise.

Em resumo, a crise surge numa situação inicial de desequilíbrio das contas públicas e, além de provocar queda da receita, exigirá forte aumento dos gastos. Esse quadro requer uma gestão fiscal atenta ao emprego adequado dos recursos no enfrentamento da crise e à distribuição equilibrada das fontes de financiamento, de modo a não provocar problemas de difícil solução logo após o retorno à normalidade.

RESPECTIVAMENTE, DIRETOR DA INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE (IFI) E CONSULTOR LEGISLATIVO DO SENADO FEDERAL; E DIRETOR EXECUTIVO DA IFI DO SENADO FEDERAL

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