Josué Pellegrini e Felipe Salto: Ajuste fiscal e gastos tributários

Benefícios sem retorno esperado devem ser revistos.
Foto: Ascom/Receita Federal
Foto: Ascom/Receita Federal

Benefícios sem retorno esperado devem ser revistos

O ajuste fiscal é recomendado por grande parte dos que discutem a situação das contas públicas no Brasil. Pudera. Diante do atual desequilíbrio fiscal, é difícil acreditar que o país poderá retomar o crescimento econômico sustentável. Como distribuir o ônus do ajuste requerido?

O tamanho da carga tributária e da dívida pública remete à necessidade de concentrar o esforço na redução do gasto público. Daí a importância de reformas para conter a despesa obrigatória. Entretanto, dado o tamanho do desafio, opções precisarão ser exploradas, como a revisão dos gastos tributários. A Instituição Fiscal Independente (IFI) se debruçou sobre esse assunto em seu relatório de maio.

Os gastos ou benefícios tributários são espécie do gênero desoneração tributária. Desobrigam determinados setores, empresas ou produtos de pagarem tributos, de acordo com as regras de aplicação geral, com o intuito de alcançar determinados objetivos econômicos e sociais.

Há o custo, representado pela perda de arrecadação pública, e o benefício esperado, não só para o contribuinte diretamente agraciado, mas também para toda a sociedade.

As perdas de receita com gastos tributários são estimadas regularmente pela Receita Federal, em que pesem as dificuldades para estimá-las de modo preciso. Aliás, os números se referem apenas aos tributos federais, pois estados e municípios pouco avançaram na produção dessas estatísticas, a despeito da exigência prevista no parágrafo 6º do artigo 165 da Constituição Federal.

Em 2017, essas perdas (só federais, ressalte-se) chegaram a R$ 270,4 bilhões, o equivalente a 4,1% do PIB ou a 20,7% da receita administrada pela Receita Federal. Vale dizer, de cada cinco reais arrecadados, um real deixa de sê-lo em benefício de alguém.

O montante recorde de perdas se deu em 2015, com 4,5% do PIB. O grande aumento ocorreu de 2012 a 2014, 0,3 ponto percentual do PIB ao ano. Apesar da queda nos anos recentes, as regras vigentes incentivam a expansão ou a criação de novos gastos tributários, ao mesmo tempo em que não estabelecem prazos de validade, revalidação e avaliação periódica para os gastos já existentes.

O uso intensivo de gastos tributários, a perda de receita resultante da queda da atividade econômica e o aumento dos gastos públicos foram os responsáveis pela forte deterioração das contas públicas nos últimos anos.

O simples retorno das perdas de receita com gastos tributários ao nível vigente em 2011, de 3,5% do PIB, 0,6 ponto percentual do PIB abaixo do montante atual, já daria importante contribuição ao ajuste fiscal.

É claro que a eliminação de alguns gastos tributários —ou a redução parcial de todos— não necessariamente seria o melhor modo de obter o referido esforço.

Outra estratégia: sujeitar cada gasto tributário a rigorosa avaliação, com base em análise de custo/benefício, e restringir ou eliminar aqueles gastos que não geram os retornos esperados para a sociedade.

O problema com essa estratégia mais cuidadosa é o tempo requerido. O modo como grande parte dos gastos tributários está estruturada dificulta a avaliação periódica. Ela requer, ao menos, objetivos, indicadores e metas explícitas. Em muitos casos, nem sequer há previsão de avaliação.

A combinação possível de estratégias dependerá do ritmo a ser imposto ao ajuste fiscal, o que é dado, em boa medida, por fatores fora do controle do governo ou do país.

De qualquer modo, haverá ainda a resistência dos potenciais prejudicados pela restrição dos gastos tributários —desafio que, aliás, estará presente em qualquer caminho que se trilhe rumo ao equilíbrio fiscal.

* Josué Pellegrini e Felipe Salto, respectivamente, analista e diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado

Privacy Preference Center