As vendas na Black Friday foram a última boa notícia. A partir daí, o ambiente começou a se turvar
Logo após a aprovação da reforma da Previdência, em 23 de outubro passado, um nítido entusiasmo tomou conta de muitos observadores, empresas e mercados em geral. A volta de um crescimento robusto, de até 3%, em 2020 seria consequência do avanço esperado do programa econômico de Paulo Guedes.
Em certa medida, essa reação não era fora de propósito, pois ficou evidente que o atual Congresso simpatizava, como de resto até hoje, com a pauta reformista. Esta contava com várias emendas constitucionais e projetos de lei que tratavam de questões necessárias para destravar de vez o crescimento, especialmente aquelas que reforçam o ajuste fiscal (PEC emergencial e do pacto federativo), e as pautas necessárias para estimular o investimento e a eficiência, como a reforma tributária, o marco do saneamento, o das Parcerias Público Privadas e outras.
Além disso, os resultados do PIB do segundo e terceiro trimestres haviam mostrado números robustos, de 0,6% em cada um deles, e alguma retomada em vários setores, como a construção civil. O ano de 2019 deveria apresentar um final bem melhor, também reforçado pela queda dos juros a patamares historicamente baixos.
O avanço da Bolsa de Valores, especialmente empurrada pela crescente presença das pessoas físicas, foi também uma consequência lógica dessa queda, contribuindo para um certo entusiasmo.
Entretanto, a venda de bens duráveis na Black Friday foi a última boa notícia do final do ano. A partir daí, o ambiente começou a se turvar e o encanto com a política econômica e o crescimento se quebrou, já antes do aparecimento do coronavírus.
A questão é saber por quê.
Sem dúvida, as expectativas começaram a mudar devido à permanente postura bélica do presidente, que tumultua o ambiente político e gera uma percepção de crise permanente, que não estimula o investimento, especialmente o estrangeiro. A acusação feita por muitos governistas e seus apoiadores de que o Congresso não aprova nada é totalmente equivocada, pois a lista de projetos aprovados recentemente é longa e vai muito além da reforma da Previdência, incluindo, por exemplo, a MP da liberdade econômica, o cadastro positivo, a nova lei das teles, a lei das agências reguladoras e outras.
O Executivo insiste em não trabalhar com suas prioridades, o que dificulta o andamento da pauta, num comportamento oposto do ocorrido com a Previdência, na qual o sucesso da aprovação se deveu muito ao foco dado ao projeto.
Em consequência, a consolidação fiscal andou pouco, embora os números do ano passado tenham sido bons. Aqui na MB, continuamos com a ideia de que a PEC emergencial (talvez a menos complexa de todas) deveria ser prioridade por sinalizar continuidade no ajuste.
As privatizações não andaram nada e muito pouco com as concessões. É significativo que o maior caso levado à leilão tenha sido um do Estado de São Paulo, com a concessão da estrada de 1.200 km de extensão, de Piracicaba à Panorama. Esse projeto foi vendido por R$ 1,1 bilhão e receberá R$ 14 bilhões de investimentos nos próximos anos. Na área federal, houve a concessão de trecho da BR-101, de 220 km e R$ 3,4 bilhões de investimento.
A pobreza das concessões e a falta de recursos para o Minha Casa Minha Vida devem explicar a queda da construção civil no último trimestre do ano passado.
Como já coloquei muitas vezes neste espaço, o peso do desemprego, do subemprego e do desalento impedem melhoras mais significativas no consumo. Da mesma forma, o grande número de empresas “zumbis”, em recuperação judicial, endividadas e estagnadas, também funciona como um enorme peso de arrasto que retarda o crescimento.
Em consequência dos pontos anteriores, os índices de confiança e de expectativas de consumidores, dos serviços e da construção civil começaram a cair desde o ano passado.
É nessa situação que aparece o coronavírus, que está gerando uma balbúrdia na economia global e uma enorme incerteza sobre o futuro.
A divulgação do modesto crescimento do ano passado e a impropriedade de muitas falas do ministro da Economia (câmbio a R$5,00???) quebraram definitivamente o encanto.
O caminho a ser trilhado pelo País ficou muito mais árduo.
*Economista e sócio da MB Associados