José Pastore: Piquetes online

Por meio de plataformas digitais, os trabalhadores formulam pleitos e fazem pressão nas empresas e governo, deixando de lado as negociações coletivas conduzidas pelos sindicatos convencionais.
Foto: Google
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Por meio de plataformas digitais, os trabalhadores formulam pleitos e fazem pressão nas empresas e governo, deixando de lado as negociações coletivas conduzidas pelos sindicatos convencionais

Você acha possível deflagrar uma greve de âmbito mundial por meio do WhatsApp? É isso que os motoristas do Uber fizeram no início de maio. O movimento afetou várias cidades.

Essa é a nova tendência. Por meio de plataformas digitais, os trabalhadores trocam ideias, informam-se sobre diferenças de condições de trabalho, formulam pleitos e fazem pressão nas empresas e governo, deixando de lado as negociações coletivas conduzidas pelos sindicatos convencionais. Eliminando intermediários, eles passam a tratar tudo de forma direta, individual e customizada. Trocando mensagens sintéticas, agrupam as idiossincrasias individuais em pleitos coletivos e enviam aos seus empregadores ou contratantes.

Essas plataformas ainda são poucas, mas estão proliferando em alta velocidade – como tudo na internet. Por exemplo, a YouTubersUnion é um mecanismo de ação sindical que tem organizado os trabalhadores para expressar suas propostas e negociar condições de trabalho sem participar de reuniões presenciais ou assembleias demoradas que consomem o precioso tempo das pessoas.

A plataforma Coworker.org ajuda os trabalhadores a condensar seus pleitos em petições atraentes que são encaminhadas às empresas. Com isso, exercem forte pressão e embaraçam os empregadores ou contratantes. O resultado da negociação virtual é o acordo ou impasse. Em 2018, os 35 mil professores de West Virginia (EUA) organizaram uma greve por WhatsApp que teve sucesso em obter vários dos pleitos até então negados pelas escolas. Foram piquetes online.

Ao contrário do que ocorre com os sindicatos convencionais, os custos para coletar e processar as informações e para ativar as mobilizações via internet são irrisórios. A velocidade dos contatos é enorme; o feedback é imediato; e as transações são feitas sem tensão.

A plataforma WorkIT foi organizada para servir exclusivamente os funcionários da rede de supermercados Walmart e tem conseguindo mudar várias regras de trabalho no campo da jornada. Por meio de contatos de WhatsApp, os funcionários do Starbucks conseguiram revogar uma regra que proibia o uso de tatuagens no balcão das lojas. A plataforma Workership se dedica basicamente a promover discussões online e em tempo real. Com isso, conquista dezenas de adeptos a cada dia. Na China, trabalhadores criaram uma plataforma com algoritmos resistentes à censura do governo por meio da qual fazem campanhas para reduzir as longas jornadas de trabalho. Não precisamos ir tão longe: no ano passado, os caminhoneiros brasileiros pararam o País por meio do WhatsApp, sem nenhuma mobilização presencial ou liderança sindical convencional. São temidos até hoje.

Esse tipo de comunicação serve também para criar momentos políticos que podem influenciar as associações patronais, os governos, as políticas públicas e a própria cunhagem de novas leis trabalhistas. A plataforma Turkopticon, por exemplo, tem congregado microempreendedores isolados que buscam ter voz junto aos seus clientes e, com isso, pleitear melhorias de suas condições de trabalho.

Será o fim dos sindicatos convencionais? Só o tempo dirá. Mas tudo indica que sobreviverão os que se capacitarem para negociar condições de trabalho de modo direto e com apoio dos meios digitais. Isso terá impacto também no direito coletivo do trabalho e no direito sindical. Para dirimir impasses, por exemplo, os magistrados não terão como exigir quóruns em assembleias e decisões majoritárias. Quem sabe mediadores, árbitros e juízes serão também virtuais?

*Professor da FEA-USP, é membro da Academia Paulista de Letras. É presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP

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