Os efeitos da queda de juros estão por vir. Interromper o ciclo agora não significa parar de forma definitiva
Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil cortou a taxa básica de juros da economia brasileira (Selic) em 0,25 ponto de porcentagem (p.p.), para o nível mais baixo da série histórica: 4,25% ao ano. No comunicado e na ata da reunião, os diretores anunciaram que, em razão das incertezas quanto à potência da política monetária e das defasagens entre as decisões de política e seus efeitos sobre o nível de atividade e a taxa de inflação, iriam interromper o ciclo de cortes de juros na reunião de março.
A ata deixa claro que uma das preocupações dos diretores do Banco Central é o nível de capacidade ociosa existente hoje na economia brasileira. Após uma recessão extremamente perversa, com grande perda de capacidade produtiva, destruição e má alocação de capital, ainda que a produção e o Produto Interno Bruto (PIB) continuem muito abaixo dos níveis recordes de 2012/2013 e o desemprego em 11,0% da força de trabalho, a pergunta que ficou no ar é quanto de ociosidade ainda existe na economia, após três anos de crescimento de 1,1% ao ano.
Alguns dias após a decisão, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a taxa de inflação de janeiro de 2020, que surpreendeu positivamente os analistas, mostrando o menor número para janeiro desde a implantação do Plano Real, 0,21%. Ao mesmo tempo, os dados de crescimento da atividade do último trimestre de 2019 mostraram desaceleração em relação ao terceiro trimestre, gerando revisões para baixo das estimativas de crescimento em 2020.
Imediatamente, alguns analistas se prontificaram a anunciar que o Copom havia se precipitado ao anunciar o fim do ciclo de queda da Selic e que, quem sabe já na próxima reunião, tenha de voltar atrás e continuar o ciclo de reduções. Afinal, com desemprego em 11,0% da força de trabalho e a economia crescendo a uma taxa mais próxima de 2,0% do que de 3,0% e as expectativas para a inflação abaixo da meta em 2020 e 2021, certamente há, ainda, muita capacidade ociosa para ser utilizada antes que pressões inflacionárias apareçam no horizonte.
Porém, depois do conjunto de reformas que foram implementadas ao longo dos últimos 3,5 anos – o teto para o crescimento do gasto público, a troca da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP), a reforma trabalhista, a liberalização da terceirização, a Lei da Liberdade Econômica, a reforma da Previdência, entre outras – e das reformas microeconômicas em implementação pelo Banco Central, ninguém sabe com certeza o efeito de uma redução da taxa Selic em 2,25 p.p., ou seja, 35% de seu valor inicial (6,5% ao ano), nem quanto tempo vai levar para que a decisão de política monetária (redução dos juros) comece a ter efeitos sobre o nível de atividade e a taxa de inflação.
O Copom iniciou o ciclo de queda da Selic em 31 de julho de 2019, ou seja, há seis meses. Antes das reformas, as estimativas indicavam que a defasagem era de aproximadamente nove meses. Caso não tenha ocorrido nenhuma mudança, o que é pouco provável, ainda assim os efeitos da queda de juros estão por vir. Portanto, interromper o ciclo de queda neste momento significa parar para ver como vai reagir a economia diante do volume substancial de estímulos já implementados, e não necessariamente parar de forma definitiva.
Antes da reunião do Copom, nossa avaliação era de que o Banco Central deveria manter a Selic em 4,5% ao ano, exatamente por causa das incertezas levantadas no comunicado e na ata. Nossas estimativas (que, óbvio, não são exatas) apontam para uma taxa neutra (que nem gera pressão inflacionária nem deflacionária) de 2,1% real ao ano e, em decorrência das reformas, caindo 0,31 p.p. por trimestre. Como a previsão de inflação é 3,5% em 2020, a Selic real estaria em 1,0% ao ano, provavelmente abaixo da neutra. Neste cenário, seria mais adequado esperar que os efeitos das quedas já realizadas e as novas reformas em andamento se manifestassem, antes de continuar a reduzir os juros, provavelmente no segundo semestre. A queda de 0,25 p.p. não muda este cenário.
* Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista chefe da Genial Investimentos