Joel Pinheiro da Fonseca: O Brasil optou pela política, mas será a velha ou a nova?

População mostra que os surtos revolucionários duram pouco.
Foto: Ricardo Moraes/El País/Reuters
Foto: Ricardo Moraes/El País/Reuters

População mostra que os surtos revolucionários duram pouco

Nas eleições municipais, o Brasil voltou à velha política. Sei que o termo é criticado. Alguns propõem que a distinção seja entre “boa” e “má” política, e não “velha” e “nova”. A palavra importa pouco, desde que estejamos de acordo sobre a coisa: o fato de que uma boa parte da classe política nacional vive de negociar interesses partidários e individuais por mais poder, mais verbas e mais visibilidade, deixando a população de fora (exceto para ganhar voto).

Diálogo, negociação, saber ceder aqui para obter ali; são virtudes necessárias para uma política que funcione. Querer substituir isso pelos gritos raivosos de um chefe intransigente pode alegrar uma parcela do eleitorado, mas é receita certa para, na melhor das hipóteses, frustração e ineficácia (e, na pior, violência e ditadura). Mas essas virtudes políticas precisam servir a um fim que não é a própria política. E isso ainda não conseguimos fazer.

A história brasileira mostra a preferência pela negociação e conciliação sobre a ruptura e o conflito. Isso não é, em si, bom nem mau; é a característica que salta aos olhos na história brasileira. Tem lado positivo: evitamos os piores derramamentos de sangue, os mergulhos em ideologias alucinadas e grandes líderes onipotentes. E tem o lado negativo: a mudança demora mais. É tudo feito parcialmente, para contemplar também os interesses de quem perdeu. Tanto o mal quanto o bem saem incompletos.

Nossa independência teve conflitos, mas nada que se comparasse à independência americana, da América hispânica ou do Haiti. Idem para a abolição da escravidão. Na hora de passarmos para a República, não matamos nosso monarca, como França ou México. Pelo contrário, sustentamos seus descendentes até hoje.

Nossos períodos ditatoriais, por mais brutais que tenham sido, não se comparam em violência com as ditaduras à direita e à esquerda do resto do continente. Tampouco nosso culto a grandes líderes tem algo que se aproxime de peronismo ou chavismo. Poucos estão dispostos a matar por uma causa ou líder. E absolutamente ninguém está disposto a morrer. Há espaço para todos os grupos que ambicionam o poder; menos para o grosso desarticulado da população.

Não foi à toa que a “classe política” ganhou reputação ruim. É claro que existem representantes sérios, mas um número grande o suficiente e visível o suficiente deu mostras de estar, ao longo das décadas, no jogo político apenas para melhorar sua posição. A corrupção é parte disso, mas não é todo o problema. Mesmo estritamente dentro da lei, uma política profissional que busque apenas os interesses de seus participantes está falhando gravemente na sua função primordial que é servir a sociedade.

É inútil sonhar com uma política na qual não haja, também, negociação de interesses. Na verdade, ela é em alguma medida desejável: sem poder, sem cargos, sem recursos, nenhum político ou partido conseguirá implementar as medidas que beneficiem os eleitores. Estamos fadados a fazer política. O próprio governo Bolsonaro, a essa altura, abandonou suas pretensões revolucionárias para deitar e rolar gostoso com o centrão. Mas faz a “velha” (ou “má”) política: negocia sobrevivência, não propostas.

A população mostra que os surtos revolucionários duram pouco; logo buscamos líderes capazes de conversar e chegar a consensos. Mas se eles não entregarem resultados, o sonho de ruptura voltará. Num mundo que se rasga em meio à polarização e a atomização promovida pelas redes sociais, a preferência nacional por negociação e diplomacia vem bem a calhar. Mas apenas se seus líderes souberem conciliar essas virtudes com algo além de seu próprio interesse.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.

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