João Gabriel de Lima: Cabe ao eleitor encontrar o culpado

Nos regimes presidencialistas, o mordomo costuma ser o próprio presidente.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Nos regimes presidencialistas, o mordomo costuma ser o próprio presidente

De quem é a culpa por nossas tragédias simultâneas – a da pandemia e a da economia? Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro acusou os governadores de mau uso de repasses federais. Os governadores responderam – em entrevistas, nas redes sociais e até num manifesto – afirmando que Bolsonaro mente. Segundo eles, o presidente, além de falsear números, atrapalha o combate à pandemia ao ignorar a ciência. “Será que os principais países do mundo, que adotaram o distanciamento e a vacinação como estratégia de combate ao vírus, estão errados – e o Brasil, com 260 mil vidas ceifadas, está certo?”, perguntou no Twitter o governador gaúcho Eduardo Leite

As duas tragédias se expressam em números eloquentes. Na quarta-feira, o Brasil contabilizou 74 mil novos casos de infecções pelo coronavírus, assumindo a triste liderança nessa estatística, à frente dos Estados Unidos. No mesmo dia soube-se que a economia encolheu 4,1% em 2020. Segundo cálculos de Claudio Considera, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e personagem do minipodcast da semana, a retração tira o Brasil do “top ten” da economia. Éramos o sétimo do mundo depois do ciclo social-democrata de Fernando Henrique e Lula. Com Dilma, caímos para o nono lugar. Sob Bolsonaro, passamos para décimo segundo. De quem é a culpa? 

Não importa se a crise é mundial. Os números doem na vida do eleitor. O Brasil hoje tem 32 milhões de desempregados, maior contingente dos últimos dez anos. E a inflação vem voltando aos poucos – o arroz subiu 74,1% e a carne, 22,8%, de acordo com dados do IPCA. O brasileiro está com medo de sair à rua e de perder o emprego, e falta dinheiro para comprar comida. De quem é a culpa? 

O jogo de empurra-empurra para livrar-se dela remete a um debate em curso na ciência política: o da responsabilização. Nas democracias, os cidadãos usam o voto para recompensar ou punir os governantes. Avalia-se principalmente o desempenho econômico – aquilo que sentimos no bolso. Mas o que acontece quando a responsabilidade é difusa? 

Pesquisas recentes mostraram que, durante a crise do euro, parte dos cidadãos da União Europeia relevou a responsabilidade de seus governantes, culpando os burocratas de Bruxelas. Em países semipresidencialistas, como França e Portugal, o crédito pelos sucessos e insucessos costuma se dividir entre Executivo e Legislativo. 

Em regimes presidencialistas, no entanto, o eleitor não costuma ter dúvidas. Estudos feitos nos Estados Unidos mostram que o presidente costuma ser responsabilizado pelo desempenho econômico, para o bem ou para o mal. No Brasil, é só olhar para o passado recente. Fernando Henrique e Lula foram recompensados com reeleições em períodos de crescimento. Collor e Dilma, que presidiram crises graves, enfrentaram ruas cheias e sofreram impeachments. 

Para Claudio Considera, o Brasil teria mais chance de voltar a crescer se adotasse as duas condutas-padrão no combate à pandemia: fechamento rigoroso por tempo limitado e vacinação em massa. Bolsonaro já zombou da vacina, e até hoje questiona o isolamento social. Se conseguir responsabilizar os governadores pela derrocada do País, será um caso de estudo em ciência política. Nas democracias, cabe ao eleitor o papel do detetive nos filmes policiais: encontrar o culpado. As evidências mostram que, nos regimes presidencialistas, o mordomo costuma ser o próprio presidente. 

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