Ivan Marsiglia: No Twitter, bolhas disputam lugar de vírus e anticorpos do golpismo

Governistas e oposicionistas acusam-se mutuamente após Bolsonaro participar de ato pró-ditadura.
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Governistas e oposicionistas acusam-se mutuamente após Bolsonaro participar de ato pró-ditadura 

Após @jairbolsonaro chegar –no melhor estilo Hugo Chávez– de camisa vermelha e montado numa picape num ato pró-ditadura neste domingo (19) em frente ao QG do Exército em Brasília, o barulho nas redes foi tal que até o procurador-geral da República acordou.

Manifestações de repúdio por parte de parlamentares, governadores, ex-presidentes e ministros do Supremo parecem enfim ter perturbado o sono do indicado do presidente à PGR, Augusto Aras, que pediu, na segunda-feira (20), abertura de inquérito ao STF.

Um jornalista da Revista Fórum resumiu a solicitação num tuíte: @GeorgMarques “Aras suspeita que congressistas patrocinaram a manifestação deste domingo em defesa do AI-5. Ele aponta violação à Lei de Segurança Nacional (7.170/1983). Se se confirmado patrocínio político para confecção de faixas ou do trio, caberia fácil cassação do mandato, no mínimo.”

O fato, porém, de o pedido do procurador omitir a participação do presidente da República também foi notado na plataforma. Para o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), @alefrota77, “O Aras foi a única pessoa no Brasil que não viu o Bolsonaro na caçamba da pick up.”

Ainda assim, o presidente parece ter sentido –com perdão do trocadilho– o golpe.

Se no dia anterior fizera questão de reforçar, compartilhando em sua conta no Twitter, e marcando inclusive o perfil do Exército, um vídeo em que brada, diante de faixas padronizadas pedindo intervenção militar e um novo AI-5, “eu estou aqui porque acredito em vocês”, na segunda (20) mudou o discurso.

Na saída do Alvorada, repreendeu um apoiador que gritou pedindo o fechamento do STF. No registro do portal de notícias @Metropoles “‘Aqui não tem essa conversa de fechar nada, dá licença aí. Aqui é democracia, aqui é respeito à Constituição brasileira, e aqui é a minha casa e tua casa. Então, eu peço, por favor, que não fale isso aqui. Nós estamos no governo, não vamos aceitar provocações baixas’, irritou-se.”

Cientista político e professor da FGV-SP, @claudio_couto viu no suposto recuo a confirmação de um modus operandi: “BolsoNero segue a toada que é a forma mais constante de sua longa trajetória: morde-assopra. Num dia, diz ou perpetra absurdos, que empolgam seus seguidores e ultrajam os demais; noutro dia, desdiz o que disse, fala algo invertido, faz um gesto oposto. Sempre sai pela tangente”.

Entre as bolhas do Twitter, ao menos, o sopro presidencial não foi suficiente para aplacar a mordida.

Ao longo do dia, governistas e oposicionistas acusavam-se mutuamente de golpismo. No meio da tarde, enquanto 399 mil menções à palavra “democracia” protestavam, em sua esmagadora maioria, contra as ações do presidente no domingo, duas hashtags, #FechadosComBolsonaro, com 234 mil tuítes, e #EuApoioBolsonaro, com 54,7 mil, foram levantadas para denunciar uma suposta conspiração do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para derrubar o “mito”.

A jornalista carioca Hildegard Angel, fundadora do Instituto Zuzu Angel, exasperou-se: @hilde_angel “O que mais esperam para votar o impedimento desse celerado? Que saia em cima do Trio Elétrico pedindo a intervenção militar, como já fez diante do Palácio? Metralhe e prédio do Congresso? Não há democracia que sobreviva sem coragem. Congresso, STF, tudo decorativo? É isso?”

Já o publicitário e autor do manifesto do partido Aliança pelo Brasil, Felipe Cruz Pedri, olavista recentemente exonerado da Casa Civil pelo general Braga Netto, viu golpe em outro lugar: a live em que um certo ex-deputado do PTB alega haver um plano para derrubar Bolsonaro.

@FelipePedri “As denúncias gravíssimas de Roberto Jefferson não podem ficar impunes. O mais espantoso é que a trama é facilmente percebida por qualquer um que tente ligar os pontos. Rodrigo Maia merece no mínimo uma comissão de ética ou uma CPI do Golpe que investigue seus crimes contra a nação.”

Em resposta a um seguidor inconformado, o deputado oposicionista @MarceloFreixo (PSOL-RJ) deu números ao impasse: “Em resposta a @MarioCesarMR e @psolnacamara Há pedidos de impeachment com Maia. Mas a oposição é só 1/3 do Congresso, fazemos barulho, mas somos minoria. E Bolsonaro negocia cargos pra ter o centrão. O presidente ainda tem apoio de 38%. Collor e Dilma quando caíram não tinham nem 10%. O cenário não é simples como você imagina.”

Embora autoridades militares tenham assegurado, em conversas reservadas com jornalistas, seu “compromisso com as instituições democráticas”, a falta de um posicionamento claro deu margem a dúvidas. Um dos raros que se manifestou pelo Twitter, o general Santos Cruz, demitido do governo após bater de frente com Carlos Bolsonaro, tampouco foi assertivo.

@GenSantosCruz “O Exército é instituição do Estado. Não participa das disputas de rotina. Democracia se faz com disputas civilizadas, equilíbrio de Poderes e aperfeiçoamento das instituições o EB (@exercitooficial) tem prestígio porque é exemplar, honrado e um dos pilares da democracia.”

O ex-Secretário Nacional de Justiça de Dilma Rousseff e diretor da ONG Open Society, @pedroabramovay, lembrou outra ocasião em que os fardados não se furtaram a participar das tais “disputas de rotina”: “Militares dizem em ‘off’ que estão incomodados com o Presidente por ter, no dia do Exército, em frente ao QG do Exército, participado de manifestação contra a democracia. Menos incomodados do que no julgamento de Lula. Naquela vez sentiram que precisaram ameaçar.”

Das voltas que a história dá às diferenças que ocultam semelhanças, coube a outro professor da FGV-SP, o pesquisador de relações internacionais alemão @OliverStuenkel, compartilhar a capa –desconfortável a muita gente de ambos os lados da dicotomia no Twitter– do livro do jornalista britânico especializado em América Latina Will Grant:

“Nem os bolsonaristas nem os chavistas gostarão da capa deste novo livro de @will_grant. Mas é importante que os apoiadores do governo brasileiro e venezuelano entendam que um número crescente de observadores internacionais coloca os dois na mesma categoria.”

O OUTRO VÍRUS
Enquanto o Brasil perdia tempo tentando imunizar-se contra o autoritarismo, uma entrevista do médico Drauzio Varella à BBC escalava os trending topics do Twitter.

A editora da @BBCNewsBrasil Ligia Guimarães foi uma das que compartilhou a conversa: “@laigous Todos nós vamos perder amigos, muitos vão perder pessoas da família, e isso vai nos ensinar que não é possível viver como nós vivíamos até aqui. Drauzio Varella prevê ‘tragédia nacional’ por #coronavirusbrasil. ‘Brasil vai pagar o preço da desigualdade”.

Em um trecho, o maior comunicador da área médica no Brasil explica o que deveria estar claro na mensagem pró-isolamento social: “Quando você ouve dizer que na Itália os médicos têm que decidir quais são os que vão para a UTI, quem vai ter entubação ou não, quer dizer que os outros morrem de falta de ar. Essa é a situação real e é isso que tem que ser colocado para a população. Não é que vai morrer gente. Vai morrer gente com um enorme sofrimento. Por isso que os médicos defendem: vamos segurar, para que as pessoas não tenham que morrer desse jeito, que é um jeito inaceitável.”

Ivan Marsiglia é jornalista e bacharel em ciências sociais, Ivan Marsiglia é autor de “A Poeira dos Outros”.

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