Hélio Schwartsman: Sem medo de patógenos

Temos muita dificuldade para converter achados da ciência em ações.
Foto: Nailana Thiely/ Ascom Uepa
Foto: Nailana Thiely/ Ascom Uepa

Temos muita dificuldade para converter achados da ciência em ações

No fundo, o ser humano não acredita em microrganismos patógenos. Essa é a melhor explicação para o fato de governadores e prefeitos estarem aliviando restrições a contatos sociais enquanto a curva de infecções pela Covid-19 se acelera e redes hospitalares colapsam.

A relação causal entre maior distanciamento social e diminuição do contágio está bem estabelecida, na teoria e na prática. Não obstante, a ideia de que doenças podem ser transmitidas por seres invisíveis é uma que relutamos em aceitar. Com um pouco de estudo, nós a acatamos no plano intelectual, mas não tão facilmente no circuito das emoções, que são motivadoras muito mais eficientes do que a razão.

A natureza não nos deixou inteiramente à mercê do contágio. Ela nos dotou com a sensação de repulsa que experimentamos ao visualizar, cheirar e até imaginar material potencialmente perigoso, como fezes, vômito, carne podre. De modo geral, mantemos prudente distância desses itens.

O problema é que não são só coisas nojentas que transmitem moléstias. Picadas de insetos, toques humanos (incluindo sexo), fômites, perdigotos e aerossóis também o fazem. E um bicho hipersocial como o homem jamais poderia desenvolver um instinto de afastamento social –o que nos deixa particularmente vulneráveis a vírus respiratórios como o Sars-CoV-2.

Seria tentador atribuir nossa desdita ao fato de estarmos nas mãos de políticos ignorantes que se dobram a interesses econômicos. Isso até pode ser verdade, mas o problema é mais profundo. A prova disso é que médicos, que mais do que ninguém sabem da importância de lavar as mãos, também fracassam nessa tarefa. O índice de higienização de mãos entre profissionais de saúde não passa muito dos 50%, mesmo em hospitais-escola do Primeiro Mundo.

Temos muita dificuldade para converter achados da ciência em ações, e o preço dessa incapacidade aumenta exponencialmente na epidemia.

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